3.7.04

Populismos
Por EDUARDO PRADO COELHO


Talvez se lembrem de que Santana Lopes é mais vice-presidente do Partido Popular Democrático do que vice-presidente do Partido Social-Democrata. A razão é simples: a ideologia social-democrata diz-lhe muito pouco; a sua concepção da política é essencialmente um populismo de direita. Daí que o jornal "A Capital" possa ter como título: "As elites do PSD mobilizam-se contra Santana Lopes". Reparem: as elites contra o povo; os tecnocratas contra aqueles que vivem de emoções e arrebatamentos; os universitários contra os que têm apenas uma literacia sumária. O sempre admirável Luís Filipe Meneses, apoiante de Santana Lopes juntamente com o ainda mais admirável Alberto João Jardim, terá declarado: "Se há dois meses defendia que era um bom candidato a Presidente, até por uma questão de coerência tenho de dizer que pode ser um bom primeiro-ministro." E, num momento digno de uma publicidade a um desodorizante, acrescenta: "O país precisa de frescura, ousadia, voluntarismo, jovialidade - e esse ingredientes estão ligados ao perfil político do dr. Santana Lopes." E lança-se na seguinte crítica: "Alguns intelectuais do PSD preferiam antes um líder dos que fazem umas conferências muito chatas no subsolo dos hotéis de cinco estrelas." Está cá tudo, porque os pensamentos brilhantes têm sempre um notável dom de síntese: temos os terríveis "intelectuais", que são aqueles que cometem o nefando crime de "saberem alguma coisa e reflectirem sobre o que sabem" (estilo Pacheco Pereira, que manifestamente é um insulto vivo aos populistas do PP e do PPD), "as conferências muito chatas", o que vem provar que Luís Filipe Meneses se chateia com qualquer coisa que o obrigue a pensar, e "os hotéis de cinco estrelas", para mostrar que isto de intelectuais só pensam em ganhar dinheiro (toda a gente sabe que Luís Filipe Meneses só viaja em segunda classe nos comboios e apenas se instala em hospedarias de bairro).

A solução que Durão Barroso engendrou num gesto de soberania monárquica tem alguma malícia pelo meio: ao contrário do que pensa (?) Luís Filipe Meneses, ser um Presidente da República não é a mesma coisa que ser um primeiro-ministro. O lugar de primeiro-ministro é um lugar para queimar Santana Lopes: ao fim de dois anos o país estará transformado num imenso túnel. E Santana Lopes sempre soube que a sua vocação (que é feita de palavras sonantes e gestos impensados) era mais ser Presidente do que primeiro-ministro. Um primeiro-ministro tem que acompanhar inúmeros "dossiers" e coordenar uma complicada equipa com um sentido ponderado do equilíbrio e da negociação. Não me parece que Santana Lopes revele estas qualidades. O que lhe aconteceu lembra um romance de Italo Svevo em que o protagonista andava com duas irmãs com o propósito de casar com a mais bela e os enredos do destino levaram-no a ter de ficar com a mais feia. Mas tem um compensação óbvia: Durão Barroso prepara-se para ser o padrinho.

Dizem os jornais que o Presidente terá exigido continuidade em políticas essenciais do actual Governo. É o que se chama uma exigência mínima: parte dessas políticas deveriam ser alteradas, melhoradas, transformadas, executadas. Mas fiquemos pela promessa da continuidade. Que significa um compromisso nessa matéria? A minha avó perguntava sempre na pastelaria se os bolos eram frescos. Nunca ninguém lhe respondeu: "Não, têm já três dias." A questão fundamental é esta: como é que um candidato prematuramente indigitado e que divide de alto a baixo o seu próprio partido está em condições de unir a maioria do país para dar continuidade a essas políticas? É óbvio que o seu equilíbrio interno o torna dependente dos mafiosos regionais que vêem a política como um jogo de lugares e de benesses. A começar pelos esbanjadores profissionais, que têm o seu campeão na pessoa de Alberto João Jardim. E que está sempre a invocar a democracia sem dar o menor sinal de que entenda o que está a dizer.

O principal problema da vida política portuguesa (e não só) não vem do facto de os políticos dizerem uma coisa e fazerem outra, e não estarem preocupados com os interesses dos cidadãos. A principal dificuldade está na existência de uma democracia interna partidária que faz que todas as decisões sejam condicionadas por estruturas locais destituídas da menor coerência ideológica, vivendo em sistema de clientelismo ou corrupção (entre empreiteiros e dirigentes de futebol), e que têm como único objectivo na vida lutarem pela sua sobrevivência ao longo dos anos. Estão no PSD como podiam estar no PS, e vice-versa. Nada os distingue. Cultivam um nacionalismo paroquial. São capazes de tudo para se destruírem mutuamente. Vão ocupando os lugares do poder, os grandes e os pequenos. E convertem a vida política num clubismo voraz, em que vale tudo menos tirar olhos.

O que se passou na lota de Matosinhos com as estruturas rivais do PS é, sem dúvida, repugnante (para utilizarmos a palavra de Ferro Rodrigues), mas é apenas uma versão aumentada e colorida daquilo que constitui a vida partidária local. Há anos que ocupam os lugares decisivos. Há anos que entram em rupturas pessoais que levam aos comportamentos mais nauseantes e absurdos. Há anos que dão entrevistas à imprensa procurando puxar os cordelinhos. Há anos que não têm uma única ideia. Há anos que odeiam quem possa ter a sombra de uma ideia. E, no entanto, todas as intenções renovadoras, todos os propósitos mais ousados esbarram na inércia militante destes senhores que contratam arruaceiros e procuram instrumentalizar um homem sério, que sempre odiou este lado da política, como era Sousa Franco.

E continuamos a ver o país entregue em última instância aos Narcisos de Seabra Miranda e aos Marcos Pretos António. Pobre país, como escreveu Pacheco Pereira. E, concordemos ou não com muito do que ele defende, devemos saudar no seu comportamento a integridade das pessoas que continuam a bater-se por causas e a defender ideias.