14.10.04

NÃO BASTA PARECÊ-LO, É NECESSÁRIO SÊ-LO

Desde o tempo do Império Romano que se afirma que "à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo". Quando ouvi a intervenção televisiva do sr. primeiro-ministro, na passada segunda-feira, aquela expressão veio à minha memória, mas no sentido oposto.

Disse, com enfâse, o Dr. Santana Lopes que a liberdade e o pluralismo estão assegurados. São óbvios os motivos para tal ênfase. Já o meu avô materno afirmava que quando alguém dizia repetidamente ser honesto, ficava de pé atrás, posição em que qualquer pessoa lúcida fica ao ouvir o chefe do governo falar de pluralismo informativo (não estou a pôr em causa a sua honestidade pessoal).

Aqui, não basta parecer coerente, é preciso sê-lo. E a realidade desmente as afirmações primo-ministeriais. A linguagem de Gomes da Silva sobre os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa, a saída deste da TVI, que tem negócios com a PT, dominada pelo Estado, e a nomeação do mais santanista que Santana, Luis Delgado, para a direcção dos media daquela empresa de telecomunicação, são a prova cabal daquela dura realidade.

Recentemente, o ministro das Finanças, Bagão Félix, afirmou que no próximo ano seriam alargados os escalões do IRS, mas não as taxas deste imposto. Agora, veio Santana dizer que afinal tal imposto vai baixar.

Falar em baixar o IRS, aumentar os funcionários públicos (acto justo e se o digo não é por ser o meu caso, porque sempre tive uma atitude compreensiva quando os sacrifícios são necessários), aumento real das pensões de reforma (outro acto justo, o que, aliás, foi feito pelo governo de Durão Barroso, apesar das dificuldades de então), é simpático, mas o aumento de receitas, proveniente de um crescimento da economia na casa dos 2 a 2,5% e da retirada de alguns benefícios fiscais, dará para cumprir o défice de 3% do PIB, mesmo recorrendo a algumas receitas extraordinárias? Economistas credenciados, como Silva lopes e Nicolau Santos, pensam que não. Aliás, para um crescimento acentuado das receitas, será necessário combater com firmeza a evasão fiscal. Sobre isso, o primeiro-ministro nada disse. E, caso a economia cresça dentro daqueles valores, o défice tem mesmo que ficar abaixo dos 3%. É que a flexibilidade prevista pela Comissão Europeia na matéria só se aplica a economias em recessão.

Por outro lado, baixar o IRS e não o IRC é seguir uma política totalmente contrária à do programa do governo, aprovado em 2002, que afirmava dever a economia crescer pelo lado do investimento privado e das exportações. Desta forma, a economia cresce essencialmente pelo lado do consumo. Qualquer iniciado em economia sabe que tal política resulta a curto prazo, mas a médio e longo prazo leva a um aumento da inflação e do défice comercial. Foi o que provou a "festa" guterrista entre 1996 e 1999. As consequências viram-se nos anos seguintes.

Está-se, pois, perante uma política eleitoralista, virada para o curto prazo, susceptível de fazer perder tudo o que de 2002 até ao Verão passado se recuperou relativamente ao descalabro das políticas de Guterres, Sousa Franco e Pina Moura.

Mas, como gato escaldado de água fria tem medo, a intervenção do primeiro-ministro não teve qualquer efeito ou reacção positivos na sociedade. Com todas estas incongruências e contradições, que confiança podem ter investidores nacionais ou estrangeiros?

Santana Lopes criticou veladamente o Senhor Presidente da República. Este, como resposta, a instância de um jornalista, afirmou que "há momentos em que o Presidente deve ficar calado".

Há silêncios de ouro. Aguardemos o desenrolar dos próximos capítulos...

PS: Em artigo anterior, dizíamos que Luis Delgado, quando se refere a Santana Lopes, parece um comunista a bajular Estaline nos anos 30. Porque não gostou de uma crítica de Eduardo Cintra Torres, aconselhou-o, em linguagem insultuosa, a tratar-se num hospital psiquiátrico. Como sabe quem conhece a História do séc XX, era exactamente isso que a URSS e demais "democracias populares" do leste faziam a muitos dos seus críticos. Sem dúvida que o governo actual e os seus agentes convivem bem com o pluralismo informativo...

Por Manuel Silva