2.12.04



Jorge Sampaio, em Julho, ao não dissolver a AR, teve de ponderar duas vertentes: uma política e outra jurídico-constitucional. Pela primeira, atenta a sua família política e o perfil de Santana Lopes, era aconselhado a dissolver a AR; pela segunda, e em obediência à sua leitura parlamentarista da Constituição, era levado a nomear o Governo de Santana Lopes. Como sabemos, vingou a segunda orientação.

Agora, embora se mantenham válidos os pressupostos da segunda orientação que referimos, pesou na sua decisão de dissolver o Parlamento a leitura estritamente política que fez da actual conjuntura. Embora tal decisão não tenha surpreendido ninguém, objectivamente é difícil de sustentar. A suspeita de que se tentou criar obstáculos a um comentador televisivo (serpente cuspidora de veneno, como lhe chamavam os seus opositores quando era líder do PSD) e, assim, concluir-se pela existência de uma tentativa de intromissão na liberdade editorial da comunicação social (apagando da memória as conhecidas intromissões de Mário Soares na RTP quando era primeiro-ministro, pessoa insuspeita, ainda assim, de não ser democrata), não pode justificar a dissolução da AR; um discurso inflamado de quem se queixa que é atacado por todos, inclusivamente pelos seus correligionários, não pode justificar a dissolução da AR; a demissão apresentada por um ministro que diz as piores coisas do Governo de que fez parte, não pode justificar a dissolução da AR; um artigo de opinião de um ex-primeiro-ministro em que se critica a competência dos políticos actuais (estaria ele também a referir-se ao nosso PR?...), não pode justificar a dissolução da AR.

Todos percebemos a decisão de Sampaio, mas, objectivamente, é difícil fundamentá-la de forma adequada. É inédito nos últimos anos da nossa democracia a dissolução da AR apenas e tão só porque se fez uma avaliação negativa do estilo de um Governo. E levanta-se um precedente: o que impedirá Cavaco de tomar idêntica atitude em relação ao Governo de Sócrates (se se confirmarem as expectativas que sustentam tal enunciação)?

Pedro Santana Lopes será, como tudo indica, o «candidato» a primeiro-ministro. Irá ser uma campanha penosa aquela que a máquina do PSD terá que desenvolver. Que motivação terá o partido para fazer campanha por um líder em que já não acredita (mas que irónica e interesseiramente sufragou no último congresso)?... É que Santana parece estar sozinho. Não se ouviu uma voz crítica, partidariamente relevante (dos chamados barões), em socorro de Santana. Parece que toda a gente concordou com Sampaio!...

Deveria Santana Lopes bater já com a porta e ir-se embora e dar lugar a alguém melhor posicionado, em termos de opinião pública, para disputar as próximas legislativas? A esmagadora maioria laranja deve entender que sim. Mas, na perspectiva de Santana Lopes, ir embora neste momento, seria reconhecer que, de facto, a sua prestação política tinha sido um fiasco e que toda a gente que não tinha acreditado nele esteve bem. Obviamente, não se pode esperar que ele faça semelhante leitura…

José Sócrates, ao contrário do que se espera, poderá não ter uma vitória garantida. Além de ter sido apanhado de surpresa, terá que travar combate com Santana Lopes e Paulo Portas, dois políticos cujas qualidades demagógicas e prestação em campanha não são de menosprezar.

Por outro lado, Sócrates não é alheio à presunção de falta de qualificação e de competência que paira sobre Santana Lopes. Tal presunção é um fantasma que também ele terá que combater.

Paulo Portas sai desta crise governamental com uma boa imagem. Tem-se ouvido dizer, ultimamente, que tem feito um bom trabalho no seu ministério. De resto, os ministros do CDS-PP não foram os que se saíram pior – Bagão Félix aparece-nos como o ministro que ostenta a imagem mais credível.

No entanto, será difícil este partido conseguir um resultado honroso, prevendo-se que volte a ser o grupo do táxi.

Jerónimo de Sousa terá o seu teste mais cedo do que pensava. Conseguirá estar ao nível dos seus antecessores? Como será a sua prestação num debate? Pelo que já se ouviu, a cassete continua a ser reproduzida no lado «A»…

Francisco Louçã poderá ver o BE ascender à terceira força política mais votada. Capitalizará nas camadas mais jovens e beneficiará do facto de haver quem entenda que Sócrates é a outra face da moeda de Santana. Haverá na esquerda quem não se sinta motivado para votar nem no PS (dado o perfil de Sócrates em tudo idêntico ao de Santana) nem no PCP…

Piro