24.3.05

ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS
Por Manuel Silva

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Que a actividade governativa de Santana Lopes não correu bem é um facto reconhecido pelo próprio, após a derrota de 20 de Fevereiro.

Que tal derrota ocorreria, “estava escrito nas estrelas”, utilizando uma expressão cara ao mesmo Santana Lopes. Vários militantes destacados do PSD o previram quando o aparelho partidário decidiu escolhê-lo para a líder e primeiro-ministro.

O seu discurso na tomada de posse do governo, o espanto de Paulo Portas durante aquele acto, ao saber que também seria Ministro do Mar, a nomeação, à última hora, de uma secretária de estado para as Artes e Espectáculos, quando estava indicada para a Defesa, foram factos previsíveis da descoordenação e falta de linha de rumo do novo executivo.

A actuação do governo só confirmou as previsões mais pessimistas então emitidas e deu razão àqueles que afirmavam não ter Santana Lopes perfil para o cargo de chefe do governo.

Primeiro-ministro e ministros a desmentirem-se e corrigirem-se, os impostos que ora subiam, ora se mantinham, ora aumentavam, afirmar hoje o contrário de ontem, foram atitudes que provocaram desconfiança nos agentes económicos e nos consumidores, como apontavam os índices de conjuntura. Depois de um ano de crescimento económico razoável, durante os dois trimestres de “consulado” santanista, aquele crescimento voltou a ser negativo. O desemprego aumentou. As dificuldades para cumprir o PEC, no tocante ao défice, foram enormes.

Todos aqueles factores conduziram à maior derrota do PSD desde 1983. Recordamos, no entanto, que naquela data o PSD ficou a 9 pontos percentuais do PS, enquanto nas últimas eleições ficou a 16 pontos.

O CDS, apesar de se ter distanciado do PSD, também averbou uma derrota significativa quanto aos seus objectivos. Mais que o PSD e o CDS, Santana Lopes e Paulo Portas foram os principais derrotados. O eleitorado rejeitou muito claramente a prática política de ambos.

Apesar de ter o líder mais fraco de sempre, o PS obteve a maioria absoluta, o que nunca conseguiu quando venceu eleições, com líderes fortes, como eram, na altura, Mário Soares e António Guterres.

A esquerda parlamentar registou a maior maioria de sempre. No entanto, não se poderá afirmar existir no eleitorado uma vontade de viragem à esquerda. O PS ganhou as eleições ao centro, abandonado pela deriva de direita e a descoordenação do PSD desde o Verão passado. O voto útil de esquerda não beneficou o partido vencedor. Daí o aumento da CDU e, especialmente, do BE.

Embora o programa do futuro governo ainda não seja conhecido quando escrevemos, as escolhas ministeriais mostram pretender José Sócrates governar ao centro, intuindo o sentido de voto da maioria dos portugueses.

No entanto, o mais liberal dos novos ministros, Luis Campos e Cunha (das Finanças), acena com um novo aumento de impostos, a curto ou médio prazo, não falando da prossecução de reformas estruturais tendentes a diminuir a despesa pública. Assistiremos a um neo-guterrismo, adiando-se aquelas reformas, o que determinará o aumento da carga fiscal? Assim sendo, os investidores procurarão mercados como os do leste da Europa, onde os impostos são mais baixos e, consequentemente, mais atractivos da criação de empresas. Continuaremos a ser um País adiado e a atrasar-nos cada vez mais em relação à média europeia, sujeitando-nos a ser ultrapassados pelo novos aderentes do lado de lá da ex-cortina de ferro.

Recordamos, a propósito, os principais objectivos apontados pelo PS durante a campanha eleitoral: crescimento económico de 3%/ano, criação de 150 000 postos de trabalho, fim das SCUT, aumento significativo das pensões de reforma mais baixas. Do sucesso ou fracasso de tais objectivos, aquele partido terá de dar contas daqui por quatro anos.

Como disse Luis Marques Mendes, na noite eleitoral, o PSD tem de mudar de vida. Tal mudança passa por: retomar a matriz social democrata, central e reformista abandonada pelo conservadorismo santanista; escolher para os órgãos nacionais, distritais e locais, pessoas competentes, com boa formação política e provas dadas na sociedade civil; trazer de volta à actividade política as elites universitária, empresarial e intelectual afastadas, por verem o aparelho partidário inquinado, vivendo da e para a imagem; repudiar o populismo, fazendo política com base em ideias, valores e princípios, criticando o governo e apontando soluções alternativas, provando aos cidadãos serem as melhores para a resolução dos seus problemas e dificuldades.

No próximo congresso do PSD, os seus delegados deverão, aprendendo a lição da derrota de 20 de Fevereiro, repudiar candidatos populistas e eleger um líder com provas dadas, cujo perfil corresponda à corporização daquela mudança.

In, TERRAS DE BAROSO, de Março de 2005