14.9.05

PIMBA MUSICAL E SOCIAL
QUANDO OS CRÍTICOS SÃO RESPONSÁVEIS

Por Manuel Silva

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Uma das batalhas culturais da oposição ao regime de Salazar e Caetano consistia no combate ao na altura chamado "nacional-cançonetismo", de que eram representantes nomes como os de António Calvário, Artur Garcia, António Mourão, ou Madalena Iglésias, cujas músicas eram apontadas como "alienantes das massas", servindo dessa forma o regime.

Outra das batalhas da oposição, especialmente a situada mais à esquerda, era a divulgação da canção política ou de intervenção, destacando-se, neste tipo musical, Zeca Afonso (o mais conhecido), Fausto, José Mário Branco, Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho e tantos outros.

Durante o PREC, o "nacional-cançonetismo" entrou em hibernação. A canção política foi a mais divulgada e das mais vendidas, o que, aliás, já se verificava antes do 25 de Abril, apesar da censura.

Passada a época revolucionária, o "nacional-cançonetismo" regressou em força, a canção de intervenção desapareceu ou assumiu uma versão mais "soft", enveredando alguns dos seus intérpretes pela difusão da música popular, que, simultaneamente, agradasse às massas, bem como ao público exigente e culto.

Cantores como Fanhais, Manuel Freire ou Alberto Júlio, cujas músicas tinham qualidade, praticamente desapareceram do mercado musical, dado não se adaptarem aos novos tempos.

Estes factos mostram não mudarem as mentalidades só porque mudam os regimes, os quais, aliás, só resultam se as alterações operadas tiverem em conta a maneira de ser das polulações.

Por outro lado, verificou-se em Portugal, como em outros países, ter a canção política eco essencialmente nas ditaduras, onde a contestação se justifica ou nos períodos revolucionários.

Quando as democracias estabilizam e porque permitem a construção de alternativas dentro do mesmo regime, a "cantiga como arma", parafraseando José Mário Branco, deixa de fazer sentido.

Decorridos mais de 20 anos de liberdade de expressão, surgiu a "música pimba", de qualidade bem inferior ao "nacional-cançonetismo", a qual obtém grande sucesso. Dir-se-á que em democracia, o gosto musical, em vez de melhorar, piorou. Mais: a juventude dos anos 60, 70 ou 80, nos bailes, vaiava música do género, preferindo "rock" ou "slow". Uma boa parte da actual adora o "pimba". Basta dar uma volta pelas festas populares para o constatar.

Porque se chegou a esta situação? A falta de gosto pela qualidade musical e não só, sobretudo entre grande parte dos jovens, está relacionada com a degradação da qualidade do ensino. De quem é a culpa desta degradação? Dos que repudiam a selecção mediante o mérito, a competitividade, a formação de uma elite que puxe o País para a frente, defendendo uma concepção facilitista e laxista da escola, como da sociedade, em geral. Ou seja, muitos dos que desprezaram o "nacional-cançonetismo" e hoje fustigam a "música pimba", enquanto vão apimbalhando a sociedade.

PS: Este artigo foi assinado e publicado por mim no "Notícias de Lafões", de 20/9/2000. No essencial, está actualizado. As festas e romarias agora no fim aí estão a confirmar parte do que ali é afirmado. Os que naquele também apimbalhavam a sociedade voltam a fazê-lo no poder que reconquistaram mais por demérito alheio que por mérito próprio.