PRÓS E CONTRAS...
Os benefícios do tabaco Vasco Pulido Valente
Viver sem fumar é como escrever sem pontuação. Pelo menos, para mim. A pequena cerimónia de acender um cigarro marca um "tempo": o princípio do dia, o princípio do trabalho, cada intervalo ou cada distracção, o alívio (ou o prazer) de acabar qualquer coisa, o almoço (quando almoço), o jantar (quando janto), o fim do dia, antes de fechar a luz, como um ponto parágrafo. O cigarro divide, acentua, encoraja, consola. Abre e fecha. É uma estação e uma recapitulação. "Já cheguei aqui. Falta ainda isto, isto e aquilo". Nas poucas vezes que tentei não fumar, tinha um sentimento de desordem, de arbitrariedade, de não saber passar de um frase a outra ou de um capítulo ao capítulo seguinte. Os fumadores, se repararem bem, não fumam ao acaso; fumam com ritmo.
O cigarro também é uma companhia. Sobretudo para quem trabalha sozinho. A maior parte das pessoas vai falando, pouco ou muito, durante o trabalho. Por necessidade ou por gozo próprio. Do "serviço" à intriga, há milhares de oportunidades para o grande e simpático exercício de conhecer o próximo: para gostar dele ou para o detestar, para o observar, o comentar ou o intrigar. De porta fechada, à frente de um computador ou de um livro, não há nada à volta. Aí o cigarro ajuda. É um fiel amigo: a pausa que torna o resto tolerável. E que, além disso, recompensa uma boa ideia ou manifesta o entusiasmo ou a execração pelo que se leu. Com quem se pode conversar senão com o cigarro? De certa maneira, o cigarro substitui a humanidade; e não me obriguem a fazer analogias. Mas, principalmente, fumar serve para pensar. Quando, a ler ou a escrever, paro a meio de uma página, porque me perdi num argumento ou não consigo imaginar como se continua, pego num cigarro e penso. Não me levanto, não me agito, não abro a boca, não me distraio. Fumo e procuro com paciência a asneira. O cigarro concentra e acalma. Restabelece, por assim dizer, a normalidade.
E este efeito "normalizador" é com certeza uma das suas maiores virtudes. Não comecei a fumar para ser adulto ou "viril". Comecei a fumar porque sou horrorosamente tímido e porque o cigarro é com certeza a maior defesa dos tímidos. Primeiro, porque ocupa as mãos e simula um arzinho de à-vontade. E, segundo, porque esconde e protege ou cria a ilusão de que esconde e protege. Por detrás de um cigarro, o mundo parece mais seguro. Mesmo se andam por aí a garantir que não.
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Apelo à coragem
Ricardo Garcia
Concordo com a lei do tabaco. Mas a possibilidade de o Parlamento vir a suavizá-la é uma péssima notícia para o país.
A proposta do Governo era consistente com a dimensão do problema do tabagismo, que custa 12 mil vidas e quase 500 milhões de euros por ano ao país. Mas vários deputados levantaram-se contra um detalhe que consideram desnecessário: a proibição de se fumar em pequenos restaurantes.
Disseram tratar-se de uma opção que feria as liberdades individuais e ostracizava os fumadores. Invocaram o risco do "fundamentalismo", um argumento essencialmente vazio. Um membro da Assembleia da República até chegou à infeliz conclusão de que a proibição levaria os pequenos estabelecimentos à "asfixia".
A solução que agrada a muitos parlamentares é a de deixar a cada cidadão a opção de ser cliente ou não de um estabelecimento poluído. Este raciocínio - inaceitável em políticos que têm o dever de zelar pela Constituição - ignora olimpicamente um pressuposto central da lei do tabaco: o de que há trabalhadores que são obrigados a inalar a poluição alheia, se querem levar o salário para casa no final do mês.
Também aqui pontifica a tese de que um empregado de café é livre para decidir onde trabalhar. Mas esta ideia cai pela base num país com meio milhão de desempregados.
Fumar é um acto livre. O que está em causa aqui é prescindir de 15 minutos à volta de um cigarro e um café num pequeno restaurante, que não tenha espaço próprio para fumadores - em favor dos empregados, dos outros clientes e até de outros adeptos do cigarro. Qualquer pessoa com o mínimo de cultura cívica compreenderá a razão desta minúscula cedência.
Custa ver que o Parlamento, palco de tantas discussões inúteis sobre o ambiente, deixe escapar a oportunidade de eliminar um risco evitável para a saúde de milhares de portugueses.
Portugal já teve uma das legislações mais avançadas de prevenção do tabagismo. Agora, o país está à beira de ter uma das mais retrógradas.
Se aprovarem uma lei suavizada, os deputados estarão a valorizar a falta de coragem, a mesquinhez e o conservadorismo. E estes são atributos que ninguém quer nos representantes da nação.
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Lei actual já proíbe tabaco nos restaurantes
Legislação em vigor (Decreto-Lei n.º 226/83):
- A gerência dos restaurantes pode proibir o fumo nos estabelecimentos apenas nas áreas que decidir reservar para não-fumadores;
- Nos locais de trabalho existe a opção de proibir o fumo, mas fica ao critério do patronato e à possibilidade de serem criados espaços alternativos para fumadores;
- É proibido fumar em unidades que prestam cuidados de saúde, recintos desportivos fechados, salas de espectáculos, elevadores, museus, bibliotecas, estabelecimentos de ensino, transportes públicos;
- As coimas podem ir de 5 a 500 euros;
- É proibida a venda de tabaco a menores de 16 anos, está prevista a limitação do acesso às máquinas de venda automática e a proibição da venda de tabaco em todos os locais onde é proibido fumar;
Nova lei:
- Donos dos restaurantes com menos de 100 m2 poderão optar se querem ser espaços mistos, para fumadores ou sem fumo; acima dessa área podem ser criadas áreas para fumadores até um máximo de 30 por cento da área total;
- Proibido o fumo em locais de trabalho, desde que sejam criadas áreas para fumadores;
- As coimas vão de 50 a 750 euros;
- Alargada a proibição de venda de tabaco a menores de 18 anos. É proibida a venda de tabaco através de máquinas automáticas, sempre que estas não tenham bloqueador que impeça o seu acesso a menores.