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Os Simpsons: O Filme
Título original: The Simpsons: The Movie
De: David Silverman
Com: Dan Castellaneta (voz), Julie Kavner (voz), Nancy Cartwright (voz), Yeardley Smith (voz)
Género: Ani, Com
Classificação: M/6
Estúdios: Twentieth Century-Fox Film Corporation
EUA, 2007, Cores, 87 min.
"Dificilmente viveremos outro ano tão crucial como o de 1989. Da revolta estudantil na Praça Tiananmen à queda do Muro de Berlim e consequente desbaratar dos regimes comunistas e satélites de Moscovo, o «impossível» parecia fadado a acontecer a ritmo diário. E, claro, foi o ano em que estreou uma série televisiva chamada The Simpsons. Os norte-americanos não viam uma série de animação em horário nobre desde a década de 60, quando reinavam os Flintstones. Em 1989, George Bush, o pai, ditava as regras na Casa Branca e a comédia para TV girava sempre à volta de famílias, como em The Cosby Show, Family Matters ou Full House. Ninguém estava preparado para a família Simpson. Hoje, 18 anos depois e já conquistado o lugar de «sitcom» de mais longa duração, ninguém está preparado para viver sem Homer, Marge, Bart, Lisa e Maggie."
"Depois de se mostrarem em segmentos em The Tracey Ullman Show, em 1987, os Simpsons apareceram em nome próprio num «especial» natalício. As «tiradas», tão irreverentes como politicamente incorrectas (quando o termo ainda estava por inventar), deixaram o público de cara à banda: «Não estamos a esquecer o verdadeiro significado do Natal? Sabem, o nascimento do Pai Natal...», ou «O Natal é quando pessoas de todas as religiões se juntam para venerar Jesus Cristo.» A posição dos Simpson face à religião foi o primeiro «senão» de uma longa série de polémicas, mas o sucesso planetário do programa criado por Matt Groening obrigou os mais rotundos conservadores e mesmo os indefectíveis religiosos (especialmente nos estados sulistas) a justificar a validade do produto. Onze anos depois da estreia, com uma Fox já a facturar milhões, a «National Review» dava o tom: «Os Simpsons personificam alguns dos melhores princípios conservadores, como o primado da família ou o cepticismo em relação à autoridade política. E em Springfield, os cidadãos vão à missa todos os domingos.» Homer Simpson não tardou em responder: «Não sou má pessoa. Trabalho no duro, amo os meus filhos... porque é que devo gastar metade do meu domingo a ouvir sermões sobre o modo como vou acabar no Inferno?» Os Simpsons são uma espécie de antídoto num país onde Deus, Pátria e Autoridade são nomeados como exclusivo de uma só nação e os regulares e nada saudáveis ataques de moralismo insistem em levar a América ao terreno da ridicularia. «São precisos dois para mentir... um para mentir e o outro para ouvir», como diz Groening."
"Os Bush nunca gostaram deles. Bill Clinton adorava-os. Num país regido pelo lema «se não podes vencê-los, compra-os», a família Simpson trazia à baila uma inusitada influência, ensinando aos norte-americanos o que eles julgavam ser característica alheia e evidente sinal de fraqueza: a capacidade de rirem de si próprios através da televisão, essa máquina que é, como ensinam os Simpsons, «professora, mãe e amante secreta»."
"Groening aproveitou a sua criação para trocar as voltas desse velho lema da política parlamentar que reza «quando um homem cai nas malhas do seu próprio anedotário, essa é a hora de se retirar». Os Simpsons ficaram e foram abrindo caminho para séries como King of the Hill, Family Guy ou South Park. A propositada tontice passou a ser o dialecto que cauciona o bom senso. Mas nem tudo são boas notícias. O sucesso levou a cortes em episódios para que a publicidade possa caber («creio que ‘eles’ cortam algumas das partes mais sumarentas», queixa-se Matt Groening). Por outro lado, o cariz educativo acabou por revelar-se uma faca de dois gumes. Se a série foi pensada para pessoas que já tinham lido livros ou visto filmes, para que as «punch lines» das piadas a referências culturais resultassem, também é verdade que a faceta de mau da fita, entre amuos, birras e mimos, de Bart Simpson criou uma «escola» que os mais confusos pais vêem como culpada de todos os seus males. A «Time» deu uma ajuda em 1999, ao colocar Bart na lista das 100 figuras mais influentes do século XX."
"Para universalizar a série, Groening precisava de criar um lugar, pequeno e anónimo, onde a América coubesse por inteiro. Inventou Springfield (há umas 40 pequenas cidades com esse nome nos Estados Unidos), pôs Homer a trabalhar numa central nuclear, Bart e Lisa com diferentes anseios (para dizer o mínimo) sobre a vida escolar e Marge na pele de uma doméstica a quem a vida poderia ter sorrido de outra forma. Maggie ainda gatinha, eloquente pelo seu silêncio. Os membros da família amam-se e estrangulam-se em igual proporção. Springfield torna-se, assim, num universo por conta própria. Ao fim de 18 temporadas, já ninguém é capaz de limitar as aventuras e desventuras da família Simpson a um mero retrato de um país em mutação a cada eleição presidencial. Se o hábito faz o monge, os Simpsons são quem ainda manda no convento."
"Ao fim de 400 episódios, a série fez-se um negócio milionário, dotado de um «merchandising» impressionante. O linguajar das personagens tornou-se moeda corrente (o famoso «D’oh!» de Homer integra o Oxford English Dictionary...) e não há figura de proa da cultura anglo-americana, de Donald Trump a Michael Jackson, de Elizabeth Taylor a Sting, que não tenham por diversas vezes emprestado as vozes às suas próprias caricaturas. Matt Groening tem dinheiro suficiente para imitar Homer e passar o resto da vida sentado no sofá a ver televisão, coçando a barriga com uma cerveja à ilharga, mas não consegue parar de desenhar. Pensa nos Simpsons 24 horas por dia: «Depois disso, trabalho em Futurama », outra das suas criações, que, à semelhança do produto que lhe deu fama e fortuna, também há-de ser um filme."
"Nem toda a crítica tem sido benfazeja para com a mais amada das famílias dessa Springfield planetária, em especial por conta das últimas quatro temporadas, mas o apelo desta prole bizarra e enternecedora, palavrosa e tudo o resto, continua irresistível, esmiuçando as direitas por linhas tortas. Por muitos e bons anos, espera-se."
José Alves Mendes, Expresso de 28/07/2007
"Se há algo que espante nesta adaptação ao grande ecrã de uma série de televisão é ter tardado tanto. Isto porque, com os seus 18 anos de existência está em vias (se não é já) de se tornar a série mais duradoura, e de permanente sucesso, que da televisão americana se tornou património mundial, carregada de prémios, e em cuja corrida permanece. Falar dos Simpsons será redundante para os espectadores, pois poucos serão os que não acompanham, mesmo esporadicamente, as suas aventuras no pequeno ecrã, ou em DVD."
"A paródia começa de imediato no logótipo da companhia produtora, a Fox, com um diminuto Bart Simpson numa cacofonia musical que imita os estentóricos acordes que costumam acompanhá-lo, projectado num ecrã proporcionalmente pouco maior que o da televisão, e onde se projecta, ainda, os típicos desenhos animados «sanguinários» do gato e do rato, de que Bart é fã. Só depois o ecrã se alarga para o formato «scope», dando origem a Os Simpsons: O Filme (o processo recorda a paródia à televisão de Frank Tashlin em A Loira Explosiva)."
"Eis-nos, portanto, em Springfield, a cidade mais poluída da América (e do mundo), e fanaticamente orgulhosa de o ser (no começo, a banda que tocava no concerto organizado no lago «afunda-se» neste, com palco e tudo, numa irresistível paródia a Titanic), perante o desespero de Lisa, que vê todas as portas baterem-se-lhe na cara quando se empenha na missão de denunciar o estado de coisas. Lisa vai também encontrar aqui a sua «paixão», um jovem simpático e, como ela, militante ecológico, enquanto Bart, em resposta a um desafio do pai, vai percorrer a cidade de «skate», tal como veio ao mundo, sequência apresentada numa série de cenas que constituem uma feliz sucessão de «gags», em que as mais incríveis coisas lhe vão, no percurso, cobrindo o sexo (nem sempre!)."
"Dado o grau de poluição, o presidente (nem mais nem menos do que um «tal» Schwarzenegger!) decreta a sua quarentena, cobrindo a cidade com uma cúpula de vidro e isolando-a do resto do mundo. A família Simpson consegue evadir-se, graças a Maggie, quando está à beira de ser linchada pelos habitantes de Springfield, visto que Homer parece ter sido o responsável pelo extravasar da poluição, e procura refúgio no que julga ser o paraíso, o Alasca, mas regressarão para ajudar a cidade a libertar-se da destruição que o presidente ordenara. Pelo meio há uma infinidade de «gags», impossíveis de narrar, outras paródias e a presença de uma caricatura de... Tom Hanks. Uma pequena delícia, para todos os que apreciam ou são fanáticos dos Simpsons. A não perder."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 28/07/2007