Título original: Death Proof
De: Quentin Tarantino
Com: Kurt Russell, Rosario Dawson, Vanessa Ferlito
Género: Acç, Ter
Classificação: M/16
EUA, 2007, Cores, 127 min.
"À Prova de Morte" é a parte realizada por Quentin Tarantino do projecto "Grindhouse" co-assinado por Robert Rodriguez. É uma homenagem aos filmes de série Z e às salas de cinema que os exibiam. E como bom filme série Z tem tudo aquilo a que tem direito: uma cópia riscada, saltos de imagem, falhas no som,... Por isso, espectadores, não se revoltem a caminho da sala do projeccionista! O filme é mesmo assim! E para além dos riscos, há várias voluptuosas mulheres perseguidas por um duplo que usa o seu próprio carro.
"Quem tem acompanhado a carreira de um dos mais originais autores do cinema americano de hoje, há muito que percebeu as suas origens e influências: o cinema de série B, em particular os «exploitations movies» de Roger Corman e outros realizadores que circulam na mesma área nos anos 50 e 60, os filmes de «mulheres na prisão» produzidos por Corman e outros os «blaxploitation» (filmes de acção interpretados por negros, que saíram do «gueto» das minorias étnicas para o mercado comercial, de Shaft aos filmes com Pam Grier), os de «canibais» (em particular, os do italiano Ruggero Deodato), etc. Filmes que Tarantino «devorou» enquanto trabalhava num clube de vídeo. Todo um género de filmes projectados em sessões duplas de cinemas populares segundo a fórmula de exploração «grindhouse» que ele homenageia com À Prova de Morte. Mas, para Tarantino, tal influência não se limitou à assimilação de fórmulas e métodos. Ele utiliza-os para uma reflexão muito pessoal sobre o que é o cinema e a sua função lúdica. E talvez nenhum filme da sua carreira seja tão explícito como o que agora se estreia. À Prova de Morte traz outro dado para a questão. A presença no elenco de Kurt Russell, o intérprete da personagem de «Snake» Plissken nos dois filmes de John Carpenter, Nova Iorque e Fuga de Los Angeles. Este serve, assim, de traço de união para as obras dos dois realizadores que mais contribuíram para uma revisão do conceito de cinema «popular», porque a partir dele eles transcendem-no (veja-se o trabalho de Carpenter sobre o filme de vampiros na sua obra-prima Vampiros), construindo uma nova entidade."
"Mais do que um cinema «pós-moderno», que vive da memória e dos clichés do cinema clássico, Tarantino e Carpenter remetem-nos para um «metacinema», um novo campo onde as regras clássicas adquirem um novo sentido. Talvez mais ainda do que Carpenter em Fuga de Los Angeles (que poderia ser o par de À Prova de Morte), este filme explora todas as fórmulas do género que «homenageia» para construir uma obra com personalidade própria. Numa comparação «absurda», À Prova de Morte está para o cinema a que se refere como o D. Quixote de Cervantes está para os romances de cavalaria que o antecederam. O mesmo prazer na construção, o mesmo gozo no usufruto, mas algo de totalmente novo."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 21/07/2007
"O tempo encarregar-se-á de provar se há um antes e um depois de «À Prova de Morte» no cinema americano contemporâneo. O elogio a Quentin Tarantino, para já, é como o seu filme: cintilante."
"O fascínio de À Prova de Morte, aquilo que o torna talvez no único herdeiro de Andy Warhol do cinema actual, vem certamente desta fusão de um gesto artístico de vanguarda com um cinema comercial de iconografia «seventies» menosprezado desde o berço; da fusão de uma alta cultura que não teme a experimentação com uma baixa cultura desprezada pelo reino da arte, mas salva pelo cinema."
"O que é À Prova de Morte? Um simulacro que controla o vórtice de imagens que pôs em movimento, a velocidade vertiginosa: interessa-nos esse controlo. A harmonia entre o verdadeiro e o falso, entre a representação do autêntico e a sua falsificação — assumidas num contexto dinâmico. É o duplo, aquele que no cinema «falsifica», que está em primeiro plano. É ele que surpreende, cativa e mata. Será com uma guerra de «duplos», Stuntman Mike contra o «gang» de Zoe Bell (actual companheira de Tarantino, também ela um duplo na vida real), que o filme conclui o seu programa."
"À Prova de Morte é, em simultâneo, o filme mais simples e experimental de Tarantino. Dá toda a energia que tem a cada instante que passa, com a máxima tensão, e partilha-a com o espectador: raras vezes houve filme tão generoso. É gesto estético para se inalar de um só fôlego, a 24 fotogramas por segundo. «I turned a corner with this», confessou o realizador na entrevista dos «Cahiers». Mil vezes obrigado pela audácia — e mais não se pode dizer!"
Francisco Ferreira, Expresso de 21/07/2007