Ultimato
Título original: The Bourne Ultimatum
De: Paul Greengrass
Com: Matt Damon, Julia Stiles, David Strathairn
Género: Dra, Thr
Classificação: M/12
EUA, 2007, Cores, 111 min.
"Após The Bourne Identity (Identidade Desconhecida) e The Bourne Supremacy (Supremacia), chega às salas The Bourne Ultimatum (Ultimato é o título português), terceira e última parte da aventura do agente da CIA Jason Bourne (Matt Damon), iniciada há cinco anos. Robert Ludlum, que Sam Peckinpah já tinha levado ao cinema nos anos 80 (com The Osterman Weekend), foi o autor dos três livros adaptados e não assistiu ao 11 de Setembro. Morreu em Março desse fatídico ano de 2001 e não chegou sequer a ver a versão cinematográfica do primeiro tomo da «série Bourne», realizado, em 2002, por um cineasta pouco talhado para o género, Doug Liman. E, no entanto, as adaptações cinematográficas, já «contaminadas» pela realidade histórica, parecem-nos óbvios reflexos do seu tempo. Inscrevem-se numa fase pós-11 de Setembro em que o mundo começa a viver apavorado por um inimigo sem rosto."
"Recordamos a origem de Jason Bourne. Ele é a nova «máquina de guerra» da CIA, um agente de elite formatado para obedecer e agir. Transforma-se numa «falha do sistema». No primeiro filme, o homem aparece a boiar numa costa do Mediterrâneo. Está amnésico. A CIA perdeu o seu paradeiro. Bourne esconde no seu corpo segredos que ele próprio desconhece e que agora o tornam no alvo a abater pela espionagem internacional. Este primeiro filme tinha um plano metafórico óbvio: os EUA cometeram erros no seu próprio sistema de segurança e vêem as armas de destruição que criaram (figuradas no agente secreto indestrutível) viradas contra o país. No segundo episódio, realizado por Paul Greengrass, Bourne continua à procura da identidade. Ao lado da sua companheira, Marie (Franka Potente), o agente renegado é obrigado a mudar de cidade para cidade, numa fuga desesperada que, para Marie, será fatal. Acrescente-se que estes dois filmes, novas rampas de lançamento para a carreira de Matt Damon, não impressionaram."
"Ultimato é o filme do acerto de contas e, face aos anteriores, é uma enorme surpresa. Bourne recupera finalmente o seu verdadeiro nome (David Webb). A nova identidade, que finalmente lhe permite ser quem é (e ser humano), transforma-o em personagem de filme de acção alheia a qualquer plano metafórico, um pouco na mesma linha das personagens de Death Proof, de Tarantino. Bourne, graças a um grande trabalho de contenção de Matt Damon, não tem interior — e esta é a ideia brilhante de Robert Ludlum — porque esse interior foi-lhe «roubado» pela ideia de argumento que criou a personagem. A expressão de Bourne é apenas a expressão física do seu corpo, dirigida, como em todos os filmes de Fritz Lang, para a responsabilidade individual e a vingança. Isto recorda-nos o desabafo, não de Lang, mas de outro «clássico», Howard Hawks, quando ele um dia disse que o Actor’s Studio tinha provocado um retrocesso artístico de várias décadas em Hollywood. Filmes como Sin City, Death Proof, ou Ultimato, talvez dêem agora razão às inquietações de Hawks. Talvez provem que o modelo psicológico do «método», que ainda teima em reinar sobre a maioria dos filmes e do pensamento sobre os filmes, falhou. De Paul Greengrass, já tínhamos sentido uma energia subaproveitada, talvez porque subjugada a temas concretos (a Irlanda em Bloody Sunday; o 11 de Setembro em United 93). Energia que Ultimato expressa de forma sublime."
"A inteligência de Ultimato, afinal, vem do modo como o filme eclipsa o seu argumento para colocar a acção (a vingança de Bourne) em primeiro plano, como o fazem John McTiernan e Tsui Hark. De Moscovo passamos a Turim, de Turim a Paris, depois Londres, Madrid, Tânger, até ao ataque final do herói ao «monstro» que o gerou no outro lado do Atlântico, quase com a mesma velocidade com que se envia um e-mail (também Syriana explorou esta mesma ideia de velocidade aberrante dos dias que correm, omnipresença de um perigo invisível). Bourne é uma personagem sem contracampo pois vai ele próprio definir e inventar o espaço cinematográfico em sua volta, um espaço virtual que não reconhecemos, apesar dos «décors» serem concretos — por exemplo, numa estação de comboios em Londres, ou naquela incrível cena de perseguição numa «casbah» de Tânger. A cena de Marrocos é um «tour de force» como o cinema contemporâneo nunca viu. Dir-se-ia que este espaço inventado por Bourne é implacável, a imagem do mal-estar de um mundo ilegível e caótico, da sua dificuldade de reconhecimento, do seu tráfico desenfreado de informação. O que é Bourne? Um vírus do sistema. «Bourne to be wild». À terceira, conquistou-nos."
Francisco Ferreira, Expresso de 22/09/2007
"Neste combate, Bourne deixa de ser o herói clássico, com um objectivo bem definido, tornando-se agora um ser humano desesperado, em luta contra forças que não conhece e não domina, sobrevivendo apenas graças a esses reflexos, e provocando a morte à sua passagem. De certo modo, embora seja uma «máquina» mais perfeita, Bourne surge-nos como uma espécie de anti-James Bond. Os espiões já não são o que eram."
Manuel Cintra Ferreira, Idem