15.10.07

O Julgamento
Título original: O Julgamento
De: Leonel Vieira
Com: Alexandra Lencastre, Fernanda Serrano, Júlio César
Género: Dra, Thr
Classificação: M/16
POR, 2007, Cores, 108 min.

"Apesar da explosão de Abril de 1974, não são muitos os filmes portugueses onde a realidade da repressão exercida pela polícia política do Estado Novo surja documentada. E quando surge — caso de O Prisioneiro, de Sérgio Ferreira (1977), da série Até Amanhã, Camaradas, de Joaquim Leitão (2005), ou do filme inaugural de Leonel Vieira, A Sombra dos Abutres (1997) — essa repressão aparece como moldura para evidenciar a nobreza dos heróis, resistentes antifascistas que, pela tortura, ganham a palma do martírio. A intenção de Julgamento é mais complexa. O filme, situado na actualidade, fala dos rastos deixados pela provação da tortura num grupo de amigos, ex-militantes clandestinos do PCP, um deles (Marcelino) assassinado na PIDE. Em diversos graus, todos os sobreviventes carregam sequelas na memória, em especial o protagonista (Jaime/Júlio César), o mais traumatizado, professor na Faculdade de Letras com uma vida sentimental instável, uma relação tormentosa com a filha do amigo morto (Joana/Alexandra Lencastre). É Jaime quem, por mero acaso, descobre num julgamento um homem que identifica como sendo o inspector Mendes Oliveira (Carlos Santos), o torturador de há mais de 30 anos. O homem, contudo, recém-chegado do Brasil como emigrante de torna-viagem apresenta uma outra identidade. Jaime, com a colaboração de um dos amigos (Miguel/José Eduardo) resolve raptá-lo e submetê-lo a um interrogatório. Só quer que ele confesse ser Mendes Oliveira e saber como morreu o Marcelino. O homem não está pelos ajustes. Jaime e Miguel não desistem — e um processo de tortura começa."

"Julgamento é um filme onde se evidencia o círculo infernal a que o desejo de vingança conduz, círculo que, na verdade, não tem saída (a solução arquitectada pelos argumentistas aparece, por isso, como o apaziguamento da nossa consciência, a luz ao fundo de um túnel que, evidentemente, não tem nenhuma, o desejo de que seja possível reorganizar a ordem, um pouco à revelia da lógica do resto da fita). Usa uma trabalhada definição dos personagens, em especial os masculinos, bem sustentados pelos actores essenciais (os três citados e ainda Henrique Viana, no seu derradeiro trabalho em cinema). Menos atenção mereceram as mulheres a quem os argumentistas não deram relevância tornando-as apenas funcionalidades da narrativa — e, assim, nem Alexandra Lencastre nem Fernanda Serrano deixam traços. A realização consegue prender-nos, embora nunca transmita o calafrio, o estremecimento que, em algumas cenas, era preciso despoletar no espectador."



"De todo o modo, Julgamento é o melhor filme de Leonel Vieira desde A Sombra dos Abutres."
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 13/10/2007