Título original: Paranoid Park
De: Gus Van Sant
Com: Gabe Nevins, Daniel Liu, Taylor Momsen
Género: Dra
Classificação: M/12
EUA/FRA, 2007, Cores, 85 min.
"Não é fácil escrever sobre o novo filme de Gus van Sant sem pensar naquele plano: o de um segurança de uma estação de caminhos-de-ferro, que se arrasta, em agonia fatal, após ter sido literalmente cortado ao meio por um comboio. A expressão dessa imagem «gore» seria anulada num filme de horror banal, mas no trabalho de Gus é expressão inesperada. Que não se fique a pensar que revelamos um mistério, até porque a acção de Paranoid Park cedo nos fala desse acidente. Paranoid Park, arriscamos, está construído como um sonho, confuso como todos o são. Escapa-se da linearidade do tempo que, apesar de tudo, existia na caminhada das personagens de Gerry ou no ataque ao liceu em Elephant. A estrutura de Paranoid Park é feita a partir de uma série de «flash-backs» que se cruzam. A partir de camadas de tempo de um presente que não se definiu ainda entre a realidade e o pesadelo: aquele presente é um qualquer ponto de passagem. Esta impressão é de tal modo intensa que a imagem «gore», a única fabricada através de efeitos especiais, acaba por tornar-se na «imagem mais real» do filme, na única prova concreta do estado interior que atravessa a personagem central, Alex (Gabe Nevins)."
"Paranoid Park vai acompanhar três ou quatro dias da vida de Alex, jovem «skater» de 16 anos. Três ou quatro dias em que o mundo, pelo seu ponto de vista, parece estar virado do avesso. O que quer Alex? Conquistar o parque de skate de má fama que dá o título ao filme e que, para ele, é o mundo inteiro. Numa escapada nocturna, Alex vai de facto provocar a morte acidental do guarda nocturno, mas nada diz, e é esta indiferença que é terrível. Ao marcar a morte do guarda com uma imagem tão violenta, Gus desembaraça-se, afinal, da origem do drama, ou seja, de um olhar paternalista, autoritário, sociológico. É evidente que este é mais um filme sobre o choque de gerações entre pais e filhos, mas Gus não está a observar adolescentes de um qualquer ponto de vista superior. Gus está «com eles», com Alex, com a câmara instalada no seu skate e com a música que Alex ouve no seu quarto, e isto faz toda a diferença. Gus não radiografa os adolescentes: em Paranoid Park dá-lhes uma coreografia, um gesto sensorial que lhes exalta os movimentos de vida, sem julgamentos nem remorsos, como naquele plano magnífico em que Alex caminha para a câmara no corredor da escola com os seus colegas, que a ele se juntam saindo das portas do corredor, pela esquerda e pela direita."
"Há «different levels of stuff» para Alex e a maior angústia será talvez a ausência dos adultos. São irresponsáveis, como os pais divorciados de Alex, passivos, como o professor que emudece quando ele sai da aula, ou demasiado doces, como o polícia que visita a escola à procura de pistas. Os adultos são uma sombra. Mas serão precisos num filme de «skaters»? Gus van Sant continua a encontrar «teenagers» amadores como este Gabe Nevins. Há actores profissionais que tentam a vida inteira ter a expressão deste miúdo e não conseguem. E se os adultos não são precisos, é porque as personagens de Paranoid Park já as reflectem. Repare-se na relação de Alex com as duas raparigas do filme, Jennifer, a namorada, e Macy, que será sua confidente. A primeira é uma cópia de adulto em ponto pequeno (o plano em que ela e Alex vestem roupa de adultos) e Alex acabará por abandoná-la, sem apelo nem agravo, após a experiência da primeira vez. Macy, por outro lado, será a sua tábua de salvação pós-trauma. É aquela que o leva a reboque em mais um plano sublime, ela de bicicleta, ele de skate, naquele momento em que Alex está deitado no asfalto, em frente da sua casa, à espera que o tempo mude."
"Antes do filme de Gus, é exibida uma belíssima curta de animação de quatro minutos, Porca Miséria, assinada por Joaquim Pinto e Nuno Leonel. A delicadeza do desenho animado e a violência da história daquele «moleque de rua» perdido na selva urbana oferecem a Paranoid Park um complemento oportuno."
Francisco Ferreira, Expresso de 01/12/2007
Francisco Ferreira, Expresso de 01/12/2007