26.1.08

O Comboio das 3 e 10
Título original: 3:10 to Yuma
De: James Mangold
Com: Russell Crowe, Christian Bale, Peter Fonda
Género: Acç, Wes
Classificação: M/12
EUA, 2008, Cores, 117 min.

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"Enterraram cedo de mais o «western». É certo que na sua forma clássica, o chamado género «americano por excelência», tivera as suas exéquias em 1962, com os filmes de John Ford (O Homem que Matou Liberty Valance), Sam Peckinpah (Pistoleiros da Noite) e David Miller (Fuga sem Rumo). Mas, à margem da televisão, emergiu depois sob outras roupagens, em jeito de «desmistificação», evocação algo necrófila ou abordagem pós-moderna, ou numa mistura de todos, para além de uma clara manifestação de fidelidade (de que o exemplo mais emblemático é Clint Eastwood)."

"Mas o último ano (no que se refere à produção) e o que decorre (no que diz respeito à exibição em Portugal) está marcado por uma inesperada convergência de vários filmes que se incluem nesse género e que pode levar apressadamente a falar de «ressurreição» (que uma fabulosa série de televisão, Deadwood, parecia anunciar)."

"O ano de 2008 abriu em Portugal com a estreia do magnífico O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, de Andrew Dominik, a que se segue O Comboio das 3 e 10, estando para chegar, em breve, Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson, e Este País Não É para Velhos, «western» moderno dos irmãos Coen, adaptado do romance de Cormac McCarthy. Será cedo para fazer juízos, mas a colheita assevera-se bastante boa, e mesmo que se fique por aqui já não é mau."

"O Comboio das 3 e 10, de James Mangold (autor de um subvalorizado Copland, em cuja figura de Sylvester Stallone se encontram ecos do Dan Evans/Christian Bale de O Comboio das 3 e 10: ambos são personagens marcados por uma deficiência, com a qual terão de levar a cabo uma luta desigual), é uma nova versão de um clássico de 1957 realizado por Delmer Daves, conhecido especialista do «western», autor de alguns títulos fundamentais do género na década de 50, como A Flecha Quebrada, A Última Caravana, A Última Ordem, Jubal, Como Nasce Um Bravo, Raízes de Oiro. A versão de Daves adaptava uma pequena história do conhecido escritor de narrativas do Oeste que depois se converteu ao policial, Elmore Leonard. Era a história de um pobre fazendeiro endividado por um período de seca que, para acudir às necessidades prementes da mulher e dos filhos, se oferece como guarda para transportar o perigoso chefe de um bando de salteadores, Ben Wade, capturado nos braços de uma amante de ocasião numa pequena localidade, até à estação de comboio para o levar à cadeia de Yuma. O filme de Daves apoiava-se quase exclusivamente no confronto psicológico entre as personagens do fazendeiro e do pistoleiro até ao clímax final na estação, quando o bando tenta libertar Wade. Este, que ao longo da viagem aprendera a conhecer e respeitar Dan, acaba, inesperadamente, por se colocar a seu lado contra o seu próprio bando, deixando-se levar no comboio em marcha, enquanto, num sinal de dias melhores para vir, as nuvens negras do horizonte se desfazem em chuva sobre a terra sequiosa, no que era um típico «happy end» à Hollywood."

"Que os cinéfilos que gostam de surpresas não se irritem, porque o que atrás revelei refere-se à versão de Daves (está editado em DVD, não o percam). A de Mangold, seguindo de perto a trama original, oferece mais de uma surpresa. Por um lado — o que é natural, pois os tempos mudaram —, Mangold injecta uma maior dose de realismo. O que o filme de Daves tem de estilizado e romântico, o de Mangold tem de brutal e verista nos cenários e comportamentos. Por outro lado, a nova versão dá maior amplitude às cenas de acção (incluindo mesmo uma emboscada de índios), algumas de carácter espectacular (a fuga pelo túnel da mina). Também as personagens de Ben Wade e Dan Evans são enriquecidas com novos pormenores e justificações, e ao filho do segundo, que resolve acompanhar o pai, é atribuído um papel de maior importância e mesmo decisivo no confronto final. E, verdade seja dita, Mangold consegue mesmo surpreender-nos com o que se pode chamar «reviravolta» final, que, destoando do original, não deixa de ser também bastante significativa."

"A uma hábil exploração dos temas do «western» e das paisagens clássicas, James Mangold junta um elenco de excepção. Se Russell Crowe, no romântico e brutal pistoleiro Ben Wade, e Christian Bale, no sofredor Dan Evans, se mostram à altura do seu talento, as surpresas vêm do campo dos secundários, a começar por um espantoso Peter Fonda, no papel de caçador de prémios da Pinkerton (quase irreconhecível com a barba e num papel a merecer um Óscar ou uma nomeação), e o jovem Ben Foster, no papel do estranho cúmplice de Wade que passa a dirigir o bando."



"Por estes exemplos, pode dizer-se que o «western» está vivo e recomenda-se."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 26/01/2008