17.2.08

Haverá Sangue
Título original: There Will Be Blood
De: Paul Thomas Anderson
Com: Daniel Day-Lewis, Martin Stringer, Kevin J. O'Connor
Género: Dra
Classificação: M/12
EUA, 2007, Cores, 158 min.

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"Os admiradores de Paul Thomas Anderson, o autor de Magnólia, talvez se sintam defraudados face a Haverá Sangue. Não encontram aqui aquelas situações insólitas, quase surrealistas, ou a sofisticação narrativa das histórias entrecruzadas que eram algumas das marcas daquele filme."

"Haverá Sangue estará mais perto do filme que revelou o realizador, Jogos de Prazer (Boogie Nights), com o seu tom realista, quase em estado bruto. Contudo, todos eles apresentam as marcas conhecidas de Anderson: a mestria técnica com a utilização habitual de sinuosos movimentos de câmara, uma insólita e hábil exploração da música na banda sonora (onde se destaca a que acompanha a descoberta do petróleo) e, como sempre, uma fabulosa direcção de actores (aliás, não há, praticamente, filme seu em que algum dos intérpretes não seja premiado ou nomeado, até Adam Sandler o foi para o Globo de Ouro em Embriagado de Amor), a que se acrescenta, neste caso, a notável fotografia de Robert Elswitt (colaborador habitual de Anderson), de tom escuro e rugoso, muito justamente nomeada para o Óscar e que é uma das oito nomeações que o filme leva para a corrida."

"Daniel Day-Lewis (cujo trabalho em Em Nome do Pai e Gangs de Nova Iorque ninguém esquece) é outro dos nomeados e o grande favorito, tendo acabado de receber esta semana o BAFTA (o Óscar britânico), isto enquanto espera pela consagração (mais uma) na cerimónia dos Óscares (se problemas não surgirem por causa da greve dos argumentistas)."

"A personagem de Daniel Day-Lewis, Daniel Plainview (e o apelido não deixa de ser particularmente simbólico), é um homem obcecado apenas por uma coisa: por ele próprio. É como se o mundo não existisse, ou existisse apenas na forma como o concebe, como instrumento para construir a sua fortuna."

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"Este quase solipsismo tem uma exposição perfeita na notável sequência de abertura, em que Plainview escava numa mina em busca de prata. Ao mesmo tempo que descobre o minério, um acidente fá-lo cair no poço da mina, partindo-lhe a perna. Plainview iça-se sozinho, sem qualquer ajuda, e é dessa forma que vai prosseguir a sua vida. Há, sim, a presença do garoto, que recolhe quando este fica órfão noutro acidente de prospecção de petróleo. Mas este não é mais do que um dos seus «instrumentos» (como mais tarde o dirá) para provocar simpatia durante as conferências de negócios. Quando outro acidente, desta vez na prospecção de petróleo, deixa o garoto surdo, Plainview começa, paulatinamente, a afastá-lo, acabando por abandoná-lo, entregue a uma instituição, e anos mais tarde, com ele já adulto, o reencontro será quase sinistro, sublinhando ainda mais o carácter de Plainview."

"Plainview é uma «força da natureza», implacável e brutal, com a astúcia de um animal e a dissimulação de um humano, capaz de enfrentar tudo e todos ou esperar a melhor oportunidade para desferir o golpe, mesmo que essa espera possa significar humilhação. O seu longo conflito com o pregador Eli Sunday (Paul Dano) é o exemplo perfeito. O irmão de Eli (interpretado pelo mesmo Paul Dano) convencera Plainview a adquirir, para prospecção, os terrenos da família, mas Eli, um pregador obcecado pela construção da sua igreja, a da «Terceira Revelação», mostra-se um adversário à altura de Plainview. Numa sequência magistral, Eli «obriga» o prospector a «aceitar» a sua igreja. Plainview entra no jogo para preparar uma desforra memorável."



"Haverá Sangue é um filme poderoso e brutal, herdeiro da melhor tradição clássica, com uma personagem cujo percurso chega, por vezes (a enorme mansão que Plainview habita sozinho no final), a lembrar o de Charles Foster Kane em Mundo a Seus Pés."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 16/02/2008