10.2.08

No Vale de Elah
Título original: In the Valley of Elah
De: Paul Haggis
Com: Tommy Lee Jones, Charlize Theron, Susan Sarandon, Jonathan Tucker
Género: Dra, Thr
Classificação: M/16
EUA, 2007, Cores, 121 min.

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"O argumentista de Clint Eastwood (Million Dollar Baby, Bandeiras dos Nossos Pais e Cartas de Iwo Jima), que se impôs como realizador com Crash (que lhe valeu também o Óscar de Melhor Argumento), regressa com uma das obras mais sugestivas do ano, que tem por pano de fundo a guerra que os Estados Unidos da América travam no Iraque. Ao contrário de alguns outros filmes recentes sobre o mesmo assunto (Censurado, de Brian de Palma, por exemplo), No Vale de Elah não se refere ao conflito em si, isto é, este não está presente nos campos de batalha, à excepção de breves planos que se integram na explicação decisiva dos acontecimentos (neste caso, a forma como eles são apresentados é sugestiva: resumem-se às gravações feitas em telemóvel pelo filho da personagem de Tommy Lee Jones), tratando exclusivamente de reflexos que ele tem em muitos dos operacionais de regresso a casa."

"A grande habilidade do argumento (também da responsabilidade de Haggis) é a de não querer impor (pelo menos aparentemente) ao espectador qualquer ângulo particular de visão (que era igualmente a forma como se desenvolvia Crash, passando também para a narrativa em que se cruzavam múltiplos episódios e olhares). O espectador vai, antes, acompanhando o desenvolvimento da investigação e adquirindo os conhecimentos necessários, em simultâneo com a personagem principal, Hank Deerfield (Tommy Lee Jones, num papel que já lhe valeu a nomeação para o Óscar de Melhor Actor deste ano), processo que o levará às suas próprias conclusões. "

"Mais: a personagem de Hank não é ninguém contestatário que queira pôr em causa, de qualquer modo, a hierarquia ou a função militar. Ele é membro dela, acredita nela e toda a sua vida se funde com ela, o que torna, portanto, a sua evolução mais significativa. Evolução essa que se pode resumir nas cenas de abertura e de fecho do filme. No começo, dentro do campo militar, Forte Rudd, Hank aponta o erro de um oriental ao colocar a bandeira americana no mastro, explicando-lhe que, invertida como está, significa, em termos militares, um pedido de socorro de soldados em perigo. No final, depois do drama que viveu, é Hank que propositadamente levanta, no mastro no quintal da sua casa, a bandeira invertida."

"Hank é um oficial de carreira que, com a mulher, Joan (Susan Sarandon), espera o regresso do filho, também ele militar, de uma missão no Iraque e que acaba por ser confrontado com a notícia do seu desaparecimento, sendo depois encontrado morto. Conhecendo a corporação, Hank sabe que a hierarquia não lhe dará os elementos todos se houver algo de incómodo, tanto mais que os militares conseguem que a jurisdição da investigação lhes seja atribuída. Porém, Hank consegue, graças a um artifício legal, que ela seja passada para a polícia civil, ficando encarregada a detective Emily (Charlize Theron)."

"No Vale de Elah toma agora a forma de um policial clássico, com o desfile de testemunhas e os colegas da vítima, que a pouco e pouco vão surgindo como potenciais suspeitos. O que se esconde atrás da pose e dos estereótipos da linguagem militar? É o que, a pouco e pouco, Hank e Emily vão descobrindo, uma verdade que revela antes de mais como os homens se transformam em máquinas assassinas e irracionais, algo a que nem os mais bem intencionados e formados escapam. As gravações que o filho foi fazendo com o telemóvel ao longo da sua missão no Iraque são o testemunho gritante dessa transformação. No regresso da guerra houve algo que se perdeu em todos e que se manifesta por vezes numa violência irracional."



"No Vale de Elah é um filme sobre a perda e uma interrogação sobre o sentido dessa perda. Mas talvez não alcançasse a força quase trágica que possui sem a contribuição de Tommy Lee Jones. De facto, é ele quem domina inteiramente o filme, é ele que marca as suas variações dramáticas e dá o mote para todos os seus comparsas. Mesmo uma Charlize Theron admiravelmente desglamourizada parece ceder ao seu magnetismo e acompanhar o seu movimento como o par de uma dança. Se um Óscar é merecido este ano (e a sua concorrência é de peso) é inteiramente para o seu trabalho em No Vale de Elah."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 10/02/2008