Título original: Persepolis
De: Marjane Satrapi, Vincent Paronnaud
Com: Chiara Mastroianni (Voz), Catherine Deneuve (Voz), Danielle Darrieux (Voz)
Género: Ani, Dra
Classificação: M/12
EUA/FRA, 2007, Cores e P/B, 95 min.
"Num recente número especial de «Les Inrockuptibles» dedicado à banda desenhada, entre as «100 bandas desenhadas indispensáveis» ali repertoriadas, Persépolis ocupa a quinta posição. À sua frente (em terceiro lugar), o bem conhecido Maus. Se destacamos a obra de Art Spiegelman é porque a autora de Persépolis reconhece ter sido uma das principais influências estéticas na sua criação."
"Persépolis, como «novela gráfica», é um trabalho, com muito de autobiográfico, da iraniana Marjane Satrapi, publicado em quatro volumes entre 2000 e 2003, e constituindo um notável sucesso de vendas. A sua passagem ao cinema faz-se a quatro mãos (o que é uma forma de dizer, dado que a equipa de trabalho era composta de dezenas de pessoas), contando Marjane Satrapi com a colaboração do seu amigo Vincent Paronnaud na realização."
"Para quem conhece a obra original, o resultado é absolutamente surpreendente. Pela primeira vez o universo de uma banda desenhada transfere-se integralmente para a animação, sem perda das suas qualidades. Esta passagem de um meio para o outro tem-se revelado uma verdadeira viagem entre Cila e Caribdes: ou a banda destrói o filme, ou o filme a banda. Das dezenas de experiências feitas nenhuma resultou verdadeiramente satisfatória. Astérix, Tin Tin e Lucky Luke (para nos ficarmos pela banda desenhada de expressão francesa) acabaram, geralmente, transformados em tristes monos na passagem ao cinema (ou televisão) de animação. Esta qualidade de Persépolis deve-se, em grande parte, ao sentido de ritmo que o filme tem, um ritmo próprio que, visualmente, corresponde ao que o leitor aplica no acompanhamento das vinhetas, um movimento aqui realizado inconscientemente e que ali se materializa. E também graças a uma narrativa eminentemente cinematográfica, aliás, já existente na sua origem gráfica, mas que no filme é acrescido de fórmulas próprias, como a utilização de alguns momentos coloridos, num filme que de resto é inteiramente a preto e branco, e que correspondem à narração, sendo portanto «flash-backs», a partir dos planos a cores de Marjane no aeroporto."
"O desafio ao status quo do cinema de animação não podia ser maior. Numa altura em que alguns estúdios (a Disney) anunciam o abandono «definitivo» da animação tradicional, de fotograma a fotograma e a duas dimensões, pelas três dimensões, numa altura em que os «animadores» passaram a ser os computadores, e a Pixar surge como a quintessência do trabalho no género, um filme como Persépolis vem mostrar que o esforço manual e a inspiração valem bem uma boa dúzia de «máquinas inteligentes». Daí que seja bastante interessante o resultado que será conhecido na noite do dia 24 da votação dos membros da Academia de Hollywood nesta categoria, dado que Persépolis é candidato ao Óscar do melhor filme de animação, tendo como rivais Ratatui da Disney-Pixar e Dia de Surf da Sony. Se são os pesos pesados da indústria que ganham ou se é a aventura individual de Marjane Satrapi. A verificar-se a sua vitória só teremos de nos congratular, por ser bem merecida."
"Persépolis é uma verdadeira lição de história, contada com humor e paixão. É a história do Irão, desde o tempo em que se chamava Pérsia e tinha à sua frente o Xá Reza Pahlevi, evocando de passagem a forma como este chegou ao poder com a ajuda dos EUA, através da CIA, em troca, pois claro!, da exploração do petróleo. A jovem Marjane é filha de uma família de opositores, com um tio comunista e preso pela polícia política. A queda do Xá é vista como uma libertação, mas este sentimento rapidamente dá lugar à frustração com a instauração da República Islâmica, e o seu séquito de imposições religiosas fundamentalistas. Marjane sairá do país, primeiro para Viena onde decorrem as suas crises de adolescência e os seus primeiros amores, e depois para Paris, após um regresso a Teerão onde tenta integrar-se na «nova ordem» fazendo, inclusive, um casamento falhado."
"Perdoem-me se o breve resumo do argumento dá a entender algo de «didáctico» (no mau sentido) e «maçudo». Porque Persépolis é tudo menos isso. É uma verdadeira explosão de alegria e de amor à vida, mesmo nos seus momentos mais dramáticos. É verdadeira poesia animada, como não víamos desde o «velho» As Aventuras do Príncipe Achmed, de Lotte Reiniger, feito em 1927. Ah! É verdade! E temos as vozes belíssimas e perfeitamente adaptadas (nesta versão original francesa) de Chiara Mastroianni (Marjane), Catherine Deneuve (a mãe) e Danielle Darrieux (a avó)."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 23/02/2008