Título original: Horton Hears a Who!
De: Jimmy Hayward, Steve Martino
Com: Jim Carrey (Voz), Steve Carell (Voz), Isla Fisher (Voz)
Género: Ani, Ave
Classificação: M/4
EUA, 2008, Cores, 88 min.
"Numa semana em que as estreias não ultrapassam o patamar dos medíocres, trazemos para a frente a única que desse patamar se exclui, Horton e o Mundo dos Quem, aventura com um herói simpático, tal como a foto documenta. Horton... nada tem de vulgar. Pode dizer-se que o seu raio de acção é o mesmo da «saga Shrek», com o êxito à vista: nos EUA, está a arrasar o «box-office» e a deixar a milhas os mamutes digitais de Roland Emmerich (10.000 AC). Não será filme para fazer história, mas a sua modéstia é agradável, a sua generosidade um convite irresistível, dos 8 aos 80."
"A história de Horton vem de longe. Este elefante é uma das numerosas criações do imaginário de Theodor Seuss Geisel (1904-1991), escritor e produtor americano especializado em literatura infantil que o mundo conhece pelo nome de Dr. Seuss. A este «doctor», um dos autores mais lidos pelos miúdos do outro lado do Atlântico, devemos a invenção da série de BD The Cat in the Hat, múltiplas vezes adaptada pelo cinema e pela TV. A última delas, em 2003, chamou-se por cá O Gato e foi realizada por Bo Welch, com Mike Myers no papel principal. Grinch é outra das criaturas do Dr. Seuss, também ela adaptada para cinema, em 2000 (Grinch), pela mão de Ron Howard, e com um Jim Carrey imparável, o mesmo que agora descobrimos a dar voz (e que voz!) ao nosso elefante animado."
"Horton e o Mundo dos Quem é a quarta aventura de um estúdio que começa a dar cartas na técnica da animação contemporânea, o Blue Sky, responsável pelos dois tomos de A Idade do Gelo (não vamos esperar muito pelo terceiro) e Robôs, êxito da Primavera de 2005. A ideia para uma nova adaptação de Horton Hears a Who! para o grande ecrã (a primeira chamou-se Horton Hatches the Egg, em 1942) surgiu em 2003, quando Christopher Meledandri, então presidente da Fox, contactou Audrey Geisel, viúva do Dr. Seuss. As provas dadas pela Blue Sky bem como o convite feito a Jim Carrey acabaram por convencer a senhora a ceder os direitos deste elefante já com barbas. O realizador Jimmy Hayward, que vem da escola da Pixar, juntou-se a Steve Martino, e o resultado é ver a Fox a entrar definitivamente, graças à Blue Sky, na concorrência da animação por computador a 3D, negócio que já provou gerar milhões nesta primeira década do século XXI."
"Honras sejam feitas ao Dr. Seuss, já que o melhor do filme continua a ser o argumento, que é brilhante. Um belo dia, o extravagante Horton pega numa flor e repara que há nela um grão de pó igual a triliões... Mas o que fazer se existisse nesse grão toda uma sociedade organizada, com as suas qualidades e defeitos, e que desconhece o seu lado infinitesimal? Os seres humanos poderiam dizer o mesmo do espaço que ocupa a Terra no Cosmos, e é a partir deste princípio que o filme lança a sua teia. Horton, em tudo macroscópico e trapalhão, consegue comunicar com o que é microscópico, e temos dois espaços a alternar na montagem: o do mundo do elefante, que todos na floresta julgam ter algo de louco, e o do mundo do grão de pó, onde está instalada a Quem Vila, habitada por minúsculos seres chamados Quem. Ora, Horton recebe um apelo de socorro. O grão de pó, instalado na flor que passa a decorar a sua tromba, corre risco de vida se este não a colocar em lugar seguro. Por outro lado, Horton entra em despique com a Sra. Canguru, que, por teimosia, lhe quer roubar a flor onde estão os Quem, mesmo que para isso tenha de recorrer aos serviços do abutre Vlad, o vilão da história. Na Quem Vila, Horton comunica com o alcaide dos Quem, pai de família com 96 filhas e um só filho varão, de nome Jojo. O alcaide não faz melhor figura que o nosso herói Horton. Lá no seu pequeno mundo, ninguém acredita que há outro infinitamente maior."
"Horton e o Mundo dos Quem marca pontos em todas as provas, das cenas de acção (o modo como o elefante persegue o grão de pó na sequência inicial ou a sua luta com Vlad para o salvar) até ao melodrama (a sequência onde, graças a Jojo, toda a Quem Vila se transforma em orquestra sinfónica para que os incrédulos do mundo de Horton os ouçam). Temos um filme de hora e meia, endiabrado, a passar constantemente do mundo dos possíveis para o dos impossíveis - e nenhum deles é menos humano. Mas há uma situação a destacar, que é uma bela ideia de cinema, do fantástico, e, sobretudo, de fé: é que os dois personagens, Horton e o alcaide dos Quem, pelas suas diferenças de tamanho, jamais se conseguem ver, apenas ouvir. Ou seja, é pelo som (e raras vezes um filme de animação nele tanto investiu) que cada um dos heróis acredita na existência do outro. Este «problema» de «mise-en-scène», que poderia ser digno de um Lubitsch em O Céu Pode Esperar, transforma-se então em comunhão inesperada entre a Terra e o Céu, com a simplicidade dos justos. É talvez por isso que, quanto mais pensamos neste Horton... mais gostamos dele."
Francisco Ferreira, Expresso de 21/03/2008