Título original: Sleuth
De: Kenneth Branagh
Com: Michael Caine, Jude Law, Harold Pinter
Género: Dra, Thr
Classificação: M/16
EUA, 2007, Cores, 86 min.
"Em 1972, no termo de uma das mais prestigiosas carreiras de um cineasta em Hollywood, Joseph L. Mankiewicz retirava-se com uma fita britânica, filmando uma genial peça policial de Anthony Shaffer (Sleuth, adaptada pelo próprio ao cinema) no confronto entre dois actores representativos de duas quase antitéticas correntes. De um lado, o aristocrático Sir Laurence Olivier, o gigante do teatro, distante e reverenciado, do outro um actor ainda em fase de afirmação — Michael Caine —, oriundo da classe operária e sem nenhum «pedigree», para além de ter abandonado a escola ainda adolescente e andado profusamente pela televisão... Os personagens que desempenhavam — um velho escritor famoso e um jovem cabeleireiro que lhe roubou a mulher — estavam em acordo perfeito com esse estatuto e o combate que travavam era terrível e mutuamente aniquilante. O filme era uma obra-prima."
"A ideia de refazer um filme perfeito é sempre uma má ideia. Mas passou pela cabeça de Jude Law, que, obcecado pela fita de Mankiewicz, há muito imaginava interpretar uma nova versão. Todavia, consciente de que refazer o mesmo seria fútil, começou por comanditar a escrita de uma nova peça (inspirada na de Shaffer) ao maior dramaturgo inglês vivo: Harold Pinter. Parece que Pinter a escreveu tendo na cabeça a memória do que conhecera há décadas, sem ler o texto original ou ver o filme de Mankiewicz. Depois, Law foi buscar um cineasta britânico de prestígio (Branagh), ele mesmo um homem de teatro e, cereja sobre o bolo, convenceu Caine a interpretar o papel que fora de Olivier (Law fazendo o que fora de Caine)."
"O resultado da operação tem o sabor de um pastiche hodierno (compare-se o trabalho cenográfico de Tim Harvey, estilizado, frio, cheio de câmaras de vigilância, inabitável e apelativo exercício de «design», com o de Ken Adam, em 1972, talvez o ponto do filme onde a vontade de encontrar equivalentes modernos melhor se espelha). Quem conheça o filme de Mankiewicz vai, compreensivelmente, rejeitar o de Branagh. Mas todos os outros — a fita de 1972 nunca conheceu edição em DVD entre nós, apenas uma, em VHS, há uns vinte anos — irão deliciar-se com os volte-faces do engenhoso «plot» original a que Pinter (para lá de explícitas notações homoeróticas que nem afloram no texto de Shaffer) se mantém fiel. E ninguém negará, nem a Caine, nem a Law, a vibração de grandes intérpretes. Curiosamente, é o trabalho de Caine (porque se mede com o de Olivier, à distância) que mais me estimula, já que introduz uma crueza no personagem que o despe, definitivamente, de algum fascínio que Mankiewicz dele guardou. "
"Autópsia de Um Crime vai agradar a quem menos memória do cinema tiver — mas não é isso o que acontece as mais das vezes?"
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 05/04/2008
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 05/04/2008