2.4.08

I'm Not There - Não Estou Aí
Título original: I'm Not There

De: Todd Haynes

Com: Cate Blanchett, Ben Whishaw, Christian Bale, Richard Gere

Género: Dra, Mus

Classificação: M/12

EUA, 2007, Cores, 135 min.

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"Se cada pessoa é um mundo, há pessoas que conseguiram que, no espaço de uma vida, coubessem vários mundos. Bob Dylan é uma dessas pessoas. O homem pareceu constantemente escapar às ideias que sobre ele se edificaram, como se houvessem sucessivas máscaras que fosse colocando no rosto - e sempre escondendo o verdadeiro Dylan, que, para começar, nem sequer se chama Dylan, mas Robert Allen Zimmerman... Eu sei, tenho estado por cá desde os tempos em que ele anunciava que os tempos estavam a mudar - e, muito jovem, deixei-me possuir pela voz roufenha e pela harmónica que traçava rasgos no meu peito como um escalpelo que me induzia a procurar cá dentro a minha própria verdade. Tenho estado por cá e não conheço ninguém que não goste de canções de Bob Dylan, nem ninguém que não se tenha afastado da sua música num ponto qualquer do caminho; alguns gritaram «traição!» e voltaram anos depois, outros foram e vieram, outros chegaram tarde - Dylan não tem fiéis."

"O homem que nos induziu à verdade, que foi o profeta de toda uma geração, é tão «fake» como uma moeda de três euros? Este filme de Todd Haynes não ajuda à resposta, mas constrói-se, caleidoscópio, jogo de espelhos, como hipótese tangencial a várias dimensões de Dylan. Para tanto, esfacelou-o em seis diferentes personagens (e outros tantos intérpretes), em diferentes idades e fases da sua vida, às vezes procurando uma proximidade icónica - de que o exemplo acabado é a mimética e extraordinária prestação de Cate Blanchett -, outras vezes buscando algo de puramente simbólico. O resultado não é um «biopic», já que não há uma narrativa com sequência clara, são clarões, visões transfiguradas de um mito, pontuadas, em contínuo, pelas canções do trovador. E como Todd Haynes é um cinéfilo, um homem que pratica cinema referenciado, os amantes de cinema podem dedicar-se a decifrar a sinalética que, de Lester a Peckinpah, de Pennebaker a Fellini, por ali abunda."

"Não tenho a certeza que alguém que ignore tudo de Dylan consiga orientar-se no dédalo - tanto mais que o seu nome jamais é pronunciado no filme, apenas o genérico nos indica ser a fita «inspirada pela vida e obra de Bob Dylan». Mas as canções estão lá, uma massa que tudo varre como um vento empolgante que não deixa margem para dúvidas. Seria, aliás, curioso poder fazer um esquiço do retrato mental que dele constrói alguém que parta dylaniamente virgem para I’m Not There - Não Estou Aí. Não sei mesmo se ali haverá suficiente informação, de tal modo o filme passa e repassa um tecido cultural e histórico bem delimitado (por exemplo: alguém consegue entender que o primeiro Dylan seja um miúdo negro vagabundo e se chame Woody, ignorando quem foi Woody Guthrie, a sua música, o seu percurso e a influência que Bob Dylan nele foi beber?). Para os outros, todavia, para aqueles que (como o autor destas linhas) tiveram nele uma referência, I’m Not There - Não Estou Aí é um extenso prazer, na descoberta das consonâncias, nas bizarrias desconcertantes com que nos surpreende (caso da sequência com Richard Gere, porventura pouco digerível), na escolha de canções (Haynes pode ter muitos defeitos, nenhum deles é uma tendência para o básico), na deriva de corpos (com uns sentimo-nos à vontade, é ele, com outros resistimos), na interrogação dos restantes comparsas. Mas, sobretudo, o prazer de perseguirmos uma personalidade e só encontrarmos reflexos - talvez Bob Dylan não exista deveras, apenas uma lenda, uma saga, como as dos heróis gregos. Cúmulo dos cúmulos: quando, no termo do filme, o verdadeiro Dylan aparece, finalmente, no ecrã, permanece o efeito de estranheza, como se aquele corpo fosse, afinal, apenas mais um a acrescentar à galeria que desfilara à nossa frente durante mais de duas horas. Não devemos espantar-nos: afinal, desde o título que Todd Haynes nos informara que ele não estaria lá. A verdade sobre um ser humano é uma impossibilidade? Talvez a verdade sobre Dylan, a única que seriamente importa, seja a da música e dos poemas, a das canções, e essa é-nos dada em estado puro. O resto são epifenómenos, a transitoriedade humana."



"I’m Not There - Não Estou Aí é uma experiência visual e sonora singularíssima, uma aventura pelo terreno dos significados e dos materiais cinematográficos como poucas vezes experimentamos. Convido-vos a embarcar no navio: a viagem pode não ser esclarecedora, mas é apaixonante."

Jorge leitão Ramos, Expresso de 28/02/2008