19.5.08

O Segredo de um Cuscuz
Título original: La Graine et le Mulet
De: Abdel Kechiche
Com: Habib Boufares, Hafsia Herzi, Farida Benkhetache
Género: Dra
Classificação: M/12
FRA, 2007, Cores, 151 min.

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"TERCEIRO FILME como realizador do tunisino Abdellatif Kechiche, O Segredo de Um Cuscuz começa por ancorar-nos no ponto de vista de Slimane (extraordinário Habib Boufares), um velho e lacónico ajudante de calafate despedido por «improdutividade» das docas de Sète (pequena cidade no sul de França) que decide comprometer a sua indemnização na transformação em restaurante familiar de uma abandonada e decrépita traineira. Trata-se aqui de um retrato de personagem ao qual a realização de Kechiche irá sobrepor o retrato de um grupo, disseminando os pontos de vista pela família e pelos amigos de Slimane para auscultar o pulso da comunidade magrebina radicada no sul de França — comunidade que a câmara enquadra, para variar, sem recurso a definições politicamente esquemáticas ou esteticamente exóticas."

"O resultado da empreitada deixa-nos entre o entusiasmo e a euforia. De facto, seguindo as pisadas de Jean Renoir e de Maurice Pialat, o filme de Kechiche procura dinamitar a fronteira interposta entre o cinema de autor e o cinema popular, para investir de uma dimensão épica, heróica e trágica as personagens que localiza, enquadra e descreve em função dos seus ritmos próprios. É um projecto estético e político que se espelha, segundo a bela expressão de Jean Michel Frodon nos «Cahiers du Cinema», na constituição de um cinema «falado do interior por aqueles que habitam um mundo sem voz», que o mesmo é dizer: na constituição de um cinema onde a palavra tem um papel essencial."

"À imagem e semelhança do que acontece no anterior filme, A Esquiva — onde a realização de Kechiche empreende um campo-contracampo entre a linguagem popular dos «banlieues» e a linguagem erudita —, O Segredo de Um Cuscuz parece revestir a forma de um ensaio sobre os jogos de linguagem, encenando os seus diferentes níveis e registos e sondando as lógicas políticas e sociais de inclusão ou exclusão que regem a sua utilização."

"Problema central do filme, a linguagem é, também, o seu mais evidente motor, comandando de um ponto de vista formal a articulação e organização da «mise-en-scène», que se desdobra em longas sequências pontuadas por grandes planos cuja duração parece ser proporcional não apenas ao número de personagens em cena mas sobretudo à cadência dos discursos vertebrados."



"E, no entanto, neste filme, não são apenas os sentidos da visão e do ouvido que nos convidam a participar na representação: o olfacto, o tacto e o paladar parecem constituir também, para a realização de Kechiche, figuras de primeiro plano. Para prová-lo lá está a sequência do almoço em família — verdadeira orquestra de imagens, sons, cheiros, gestos e sabores na qual julgamos surpreender a figura de estilo que melhor se adequa a este delicioso preparado de cuscuz. E o seu nome é sinestesia".
Vasco Baptista Marques, Expresso de 17/05/2008