Título original: Joy Division
De: Grant Geen
Género: Doc
Classificação: M/12
EUA/GB, 2007, Cores, 93 min.
"No curto espaço de um ano, é a segunda vez que trazemos os Joy Division a estas páginas. O facto é misterioso e embaraçante. Misterioso porque é difícil compreender este regresso obsessivo da ficção britânica à lendária banda de Manchester, quase 30 anos depois do seu fim, desde a estreia de Control, de Anton Corbijn. Embaraçante, porque não nos apetece voltar a vestir a pele do professor da primária com a sebenta do rock na mão, a repetir ad æternum o que já toda a gente sabe (ou devia): que o som Joy Division mudou para sempre a história do rock e que a banda chegou ao termo da sua curta vida da pior maneira, com a corda que Ian Curtis meteu à volta do pescoço, a 18 de Maio de 1980. Há por aqui pano para mangas e mitos. Aliás, lá para o fim, este documentário de Grant Gee fala disso e põe o dedo na ferida quando nos fala do «merchandising da memória» (que achado!...) a que os Division foram sujeitos desde o seu triste fim."
"Em Locarno 2007, Lech Kowalski, autor de D.O.A. (Dead on Arrival), um filme mítico que acompanhou a catastrófica «tournée» dos Sex Pistols na América, disse-nos em entrevista que, quando um documentário abusa da informação, está o caldo entornado («information kills!»). Ora, sob este prisma, Joy Division podia ser melhor. Informação, aqui, não falta. Encontramos Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris, o resto dos Division (mais tarde, New Order), em entrevista e em plano frontal, tal como se esperaria de um típico documentário britânico ortodoxo. Também estão por lá Tony Wilson, o fundador da Factory Records, Annik Honoré, namorada de Curtis, ou Pete Shelley, dos Buzzcocks. Os depoimentos (e a informação) são deveras surpreendentes (veja-se o que diz Peter Hook...), embora sempre registados e intercalados num modelo de montagem sem surpresas. O filme juntou ainda uma recolha impressionante (mas já não tão rara quanto isso) de «footage» sobre o grupo, ou seja: temos o «bê-á-bá» Division contado em hora e meia, de fio a pavio."
"Joy Division não é, contudo, apenas um filme sobre o seu óbvio título e é por aqui que ele marca pontos. Logo no início, fala de Manchester («parecia um pedaço da história que tinha sido cuspido») e nunca deixará de perseguir esse «centro histórico do mundo moderno, cidade lamacenta e suja onde foi inventada a Revolução Industrial». Nos momentos em que Gee deixa poisar as entrevistas e se entrega ao que está no meio delas, nasce outro filme, com coisas sublimes, sobre a cidade e as suas terríveis paisagens de cimento armado dos anos Thatcher, sugerindo uma reflexão e um trabalho de campo sobre o meio real em que os Division nasceram. Esta escavação da memória, da história e de um espaço concreto (essa Manchester de ficção científica que estava no som dos Division) recorda muito o trabalho genial de Adam Curtis, um cineasta da BBC capaz de prodígios como The Power of Nightmares: The Rise of the Politics of Fear. Há outros momentos em que o filme sai da prisão da sua estrutura cronológica e esquemática. Por exemplo, quando apresenta breves segundos do experimental No City Fun, filme de Charles E. Salem, em tempos projectado em sincronia com o primeiro álbum dos Division, Unknown Pleasures. Ou, ainda melhor, quando desenterra dos escombros uma coisa chamada Epilepsy, a Label for Life, pedagógico filme de TV, provavelmente dos anos 70, a alertar para os males da doença que afectava Curtis. Nestes momentos, Joy Division deixa o seu longo velório. Torna-se importante, descobre outra velocidade, um contra-ritmo para as «dead souls». "
Francisco Ferreira, Expresso de 19/07/2008
Francisco Ferreira, Expresso de 19/07/2008