Ficheiros Secretos: Quero Acreditar
Título original: The X-Files: I Want to Believe
De: Chris Carter
Com: David Duchovny, Gillian Anderson, Amanda Peet
Género: FC
Classificação: M/16
CAN/EUA, 2008, Cores, 105 min.
Título original: The X-Files: I Want to Believe
De: Chris Carter
Com: David Duchovny, Gillian Anderson, Amanda Peet
Género: FC
Classificação: M/16
CAN/EUA, 2008, Cores, 105 min.
"ENTRE 1993 e 2002, ao longo de nove temporadas e mais de duzentos episódios, nos Estados Unidos como em todo o mundo, Ficheiros Secretos constituiu uma das séries mais bem sucedidas — e mais inteligentemente memoráveis — da História da Televisão. No seu cerne uma pequena equipa de agentes do FBI (Fox Mulder e Dana Scully) dedicados a investigar fenómenos misteriosos e paranormais, invariavelmente esbarrando com poderosas oposições no seio do próprio Governo, como se uma conspiração realmente intergaláctica estivesse em marcha. Pelo meio, a vida pessoal de Mulder (nomeadamente o desaparecimento de uma irmã) ia-se interligando com os casos investigados, sempre numa perene oposição/complementação entre a credulidade de Mulder e a suspeição de Scully que, de formação científica, ia tentando temperar a vontade de acreditar (em discos voadores, em extraterrestres, em fenómenos fantásticos) do seu parceiro."
"A série vivia não dos casos em si, mas da sagaz manipulação da dúvida. À vontade de saber dos protagonistas e dos espectadores contrapunha-se a pertinaz ignorância, a acumulação de indícios não contribuindo para a definição dos factos, antes fazendo adensar as névoas. Ora, este tipo de fascínio (e «fascínio» é o termo certo para designar esta série prodigiosa) precisa da duração para operar, não funciona no período fechado de um filme. Isso já se tinha percebido em 1998, quando um primeiro e fracote filme com os personagens da série viu a luz. Isso se temia agora, com este Ficheiros Secretos: Quero Acreditar que o próprio criador da série, Chris Carter, dirigiu e escreveu (de parceria com Frank Spotnitz). Carter, todavia, foi bastante astuto. Começou por desligar tanto quanto possível o filme dos eventos da série (é possível vê-lo sem saber nada do passado, ao contrário do filme de 1998, muito imbricado no conteúdo e nos personagens secundários). Além disso, em vez de o centrar numa ontologia global, focou-o na investigação de um caso de crimes sucessivos, misterioso mas sem nada de alienígeno ou de metafísico, deslocando a paranormalidade para a figura de Joe Crissman, um ex-padre pedófilo que afirma ter visões e, com isso, consegue ajudar as autoridades. É por causa dele que Scully é chamada do hospital onde trabalha como médica e Mulder é resgatado ao seu refúgio rural, onde se isolou do mundo. Afinal de contas, o FBI não sabe se o homem é realmente um vidente ou um charlatão e, por via das dúvidas, considera-o suspeito. Mulder e Scully divergem na opinião sobre ele — o correr do filme há-de mostrar que um deles tem razão, a não ser que seja o outro."
"Ficheiros Secretos: Quero Acreditar é menos a história de Mulder a querer que o real confirme a sua crença e de Scully a querer duvidar, pois o que nos move não é saber se o visionário é legítimo ou falso, mas a decifração dos desaparecimentos das mulheres e dos horrores que somos induzidos a associar a esses desaparecimentos, a prisão dos culpados, o salvamento dos reféns. Tudo o resto, incluindo saber se Deus perdoa as abominações ou se pode falar pela boca dos pecadores, está na prateleira inferior, como um «subplot» que dá tempero ao enredo, mas não a substância. Mas, já agora, não deixa de ser curioso que Carter ponha um padre católico a duvidar do perdão de Deus, incerteza que nenhum fiel da Igreja de Roma jamais possui e que sempre atormentará os seguidores das Igrejas da Reforma. Em todo o caso, o filme propõe-nos a perseverança nas convicções — uma estratégia de não desistência — como «recado» na lapela. Não nos importamos de o usar."
"Esta fita é um «thriller», não uma história de ficção científica ou de cinema fantástico. Como «thriller» é bastante eficaz, orientando a nossa ignorância sem que nos sintamos completamente conduzidos à trela e introduzindo o mistério «metafísico» em cuidadas e ínfimas doses. Em tempo de Verão, providencia o entretenimento que o espectador deseja, sem cansar a cabeça com estrondos, acelerações e vertigens desnecessárias ao bom desenrolar da história e ao seu desfecho. Tem um toque de humor, até no improvável final romântico. Nesse sentido, não está na onda dos «blockbusters» para adolescentes e pipocas, sendo, se quisermos, uma fita para espectadores de meia-idade que não precisam de vasodilatações artificiais."
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 09/08/2008
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 09/08/2008