Desejos Selvagens
Título original: Savage Grace
De: Tom Kalin
Com: Julianne Moore, Stephen Dillane, Elena Anaya
Género: Dra
Classificação: M/18
ESP/EUA/FRA, 2008, Cores, 97 min.
Título original: Savage Grace
De: Tom Kalin
Com: Julianne Moore, Stephen Dillane, Elena Anaya
Género: Dra
Classificação: M/18
ESP/EUA/FRA, 2008, Cores, 97 min.
"ESTE SURPREENDENTE — e talvez chocante para muitos espectadores — Desejos Selvagens é a segunda longa-metragem, 15 anos depois da primeira, que o professor de Realização de Cinema na Universidade da Califórnia Tom Kalin dirige. Foi em 1992 que Kalin surpreendeu com o filme Swoon — Colapso do Desejo, que nos conta a história de Richard Loeb e Nathan Leopold Jr., que na década de 20 do século passado raptaram e assassinaram um adolescente (caso que inspirou também dois filmes bem conhecidos: A Corda, de Alfred Hitchcock, e O Génio do Mal, de Richard Fleischer, com Orson Welles)."
"Quinze anos depois, outro tema provocante e outra história inspirada num caso real. Desta vez, trata-se da tragédia de Barbara Baekeland, do marido e do filho, que envolve sexo, crime, incesto, tendo por pano de fundo a alta sociedade americana, desocupada e em vilegiatura pelo mundo."
"Desejos Selvagens é a adaptação do livro de Natalie Robins e Steven M. L. Aronson, que conta, com um realismo brutal, o drama daquela família disfuncional, desde o nascimento do filho Tony (interpretado por Barney Clark, em criança, e por Eddie Redmayne, em adulto), em 1947, até à tragédia, que ocorre em 1972. Ao longo de um quarto de século, o filme dá-nos uma hábil reconstituição de época, sem necessidade de recorrer a grandes efeitos, que nos leva da sofisticação americana dos anos 40 à «swinging London» da década de 70, ao fazer-nos acompanhar o percurso (a)moral e social daquela família."
"Desejos Selvagens é, principalmente, a história de uma mulher, Barbara Daly (fabulosa Julianne Moore, com uma interpretação soberba, ao nível da que nos deu em filmes como Seguro e Longe do Paraíso, ambos dirigidos por Todd Haynes). Barbara, modelo e candidata a actriz em Hollywood, no pós-guerra casa com o herdeiro da família Baekeland, Brooks (Stephen Dillane, de novo ao lado de Julianne Moore, depois do sucesso de As Horas), num desejo de promoção social que, contraditoriamente, o seu comportamento põe, com frequência, em causa, devido à sua linguagem desbragada e a um sentido para a provocação. Este comportamento vai a pouco e pouco alienando o marido, que passa o tempo em conquistas de ocasião, explorando a história da sua família (o avô fora o descobridor do plástico baquelite, que o enriquecera) e da sua fortuna, que se limita a gastar, junto de jovens ambiciosas, enquanto Barbara se envolve com o filho numa relação possessiva, de que resulta uma criança de sensibilidade delicada, indecisa e angustiada e que em adulto vai revelar uma sexualidade ambígua, que se afirma abertamente homossexual quando o próprio pai lhe rouba a namorada que arranjara em Espanha. Na verdade, coincidindo com outros retratos femininos do cinema de Tom Kalin, a jovem espanhola não é mais do que uma oportunista e uma caça-fortunas que vê em Brooks e na situação de desagregação do seu casamento o objecto de conquista perfeito."
"A vida de Tony entra, agora, em franco processo de desagregação, sem energia para reagir às situações de dependência. A reacção de Barbara face à situação é estranha. Se a ruptura com o marido provoca uma das suas cenas habituais de agressividade, a forma como se envolve no processo autodestrutivo do filho e o tenta resolver é de uma inesperada brutalidade (não de violência, mas na fórmula de resolução do problema), culminando numa das cenas mais chocantes que o cinema mostrou e que aproxima Desejos Selvagens do filme francês Minha Mãe, que Christophe Honoré adaptou de Georges Bataille."
"A direcção do filme é bastante cuidada, tanto na reconstituição de época como na direcção de actores (o jovem Eddie Redmayne, que foi, depois, um dos intérpretes de Duas Irmãs, Um Rei, revela-se como um actor a ter muito em conta para o futuro). A «patine» de decadência que paira sobre Desejos Selvagens faz dele, sem dúvida, um dos filmes mais interessantes da temporada."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 12/10/2008