27.10.08

W.
Título original: W.
De: Oliver Stone
Com: Josh Brolin, Thandie Newton, Elizabeth Banks, Richard Dreyfuss
Género: Dra
Classificação: M/12
EUA/Hong-Kong, 2008, Cores, 131 min.

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"ESTE FILME de Oliver Stone, ele que é um especialista a reagir às convulsões do seu tempo, é um fruto do acaso. Ao longo de 2007, Stone trabalhou na montagem financeira de Pinkville, investigação sobre o massacre de My Lai, na Guerra do Vietname, mas a greve dos argumentistas adiou o projecto. Stone — nada de novo para a sua costela «left wing» — não brinca com sindicatos. Normalmente, também não brinca com o cinema. É famosa a sua disciplina de ferro quando se trata de transformar em filme a investigação de um facto histórico. Foi assim com o magnífico JFK, com Nixon, e o mesmo se passou com o seu retrato-entrevista a Fidel Castro (Comandante). Stone, também já todos o sabem desde Platoon, foi soldado no Vietname. Pouco tempo antes, teve uma passagem fugaz pela Universidade de Yale, onde, ao que parece, se cruzou com um tal de George W. Bush."

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"No Natal de 2007, sem Pinkville, o realizador junta-se ao argumentista Stanley Weiser e decide escrever um guião sobre a vida do seu antigo colega de faculdade. Chamou-lhe W. O projecto foi erguido com 20 milhões de dólares (coisa pouca para aquelas bandas) e muita urgência, já que Stone queria estreá-lo antes das presidenciais que aí vêm (e assim sucedeu). O que temos? A vida de um «Jr.» nascido no Connecticut e educado no Texas, primogénito de uma família tradicional com larga história no Partido Republicano. Um tipo um tanto parolo, que se metia nos copos e era mais amigo de doidivanas do que de política. O percurso deste alcoólico estroina, mais tarde convertido à sobriedade e ao cristianismo (ou aos «cristãos renascidos»), é incrível, já que ele tornar-se-ia, trinta e tal anos depois, e após ter recebido uma «chamada de Deus», no Presidente da maior potência do mundo contra todas as probabilidades."

"Se não nos falha a memória, W. é o primeiro «não documentário» da história do cinema americano sobre um Presidente do país ainda em funções. O Bush que Stone «inventou» a partir de depoimentos de vários biógrafos é um homem que, no fundo, só chegou aonde chegou por querer conquistar o respeito e o amor do seu pai. É um ponto de vista, mas também um tipo de psicologismo superficial que, cinematograficamente, interessa pouco. Em termos estruturais, também não se pode dizer que Stone marque pontos em W., «saltando» aleatoriamente por várias etapas de Bush (sem tocar no ataque às Twin Towers) até ao fim do seu primeiro mandato. Por outro lado, W. também não acusa nem glorifica um «actor indesejado» agora prestes a sair de cena, salvando-se Stone de qualquer género de cruzadas demagógicas, ao jeito de um Michael Moore."



"Onde está o maior interesse de W., afinal? Na reflexão sobre a natureza e o poder da imagem. Digamos que, se o «documentário Bush» (a imagem que dele faz o mundo) é o Bush que a TV deu a ver, essa imagem — e W. esforça-se por prová-lo — não é verdadeira. Foi uma imagem manipulada pela Casa Branca e teve consequências: valeu uma invasão militar a partir de um pretexto falso e a reeleição, em 2004, do mais estouvado dos presidentes. Stone parece seguir o mesmo método, mas manipula ao contrário: ao «documentário Bush», o realizador opõe a «sua ficção» do Presidente. Uma ficção que é uma mentira perfeita, sem expor-se no sarcasmo e a jogar com coragem no mesmo terreno das imagens da TV. Repare-se que, exceptuando o papel (por sinal, o melhor do filme) de James Cromwell, que interpreta «à distância» o Bush pai, todos os outros acentuam uma mímica descarada das pessoas que retratam: Richard Dreyfuss na pele de Dick Cheney, Thandie Newton na de Condoleezza Rice e, sobretudo, Josh Brolin na de George W. Bush. Não há distância entre a realidade e a ficção, entre a imagem verdadeira e a falsa, num filme em que os actores respondem pelo nome de pessoas e tudo fazem para se parecer com elas. Por causa deste efeito perverso, por ter sido feito à pressa e no calor do momento, W. não pode comparar-se ao valor de JFK e Nixon. A imagem, aqui, é bidimensional, passa a correr, não pode ser levada a sério. Se W. é um trabalho incrível de especulação histórica como poucos o foram na história do cinema, só o é porque está em perfeita sintonia com o seu tempo. Agora, quando o facto se torna lenda, surge a tragédia. Quem se lixa é quem acredita na imagem."
Francisco Ferreira, Expresso de 25/10/2008