24.11.08

A Fronteira do Amanhecer
Título original: La Frontière de l'Aube
De: Philippe Garrel
Com: Louis Garrel, Clémentine Poidatz, Laura Smet
Género: Dra
Classificação: M/12
FRA, 2008, Cores, 106 min.

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"A FONTE do «opus 28» de Philippe Garrel, ao que parece, vem da literatura, da novela de um romântico, Théophile Gautier, autor do celebérrimo O Capitão Fracasse. Spirite, assim se chama esse conto de Gautier, foi influência confessada por Garrel e nem sequer figura no genérico de A Fronteira do Amanhecer. Conta quem o leu que se trata da história de uma mulher que, depois de se suicidar, surge num espelho, chamando do além o homem que amou. Uma grande parte das personagens são fantasmas. A irrupção do sobrenatural, venha ela, como tantas vezes veio, do «amour fou» ou do suicídio, não é novidade para este cinema poético, destinado a dividir as águas, tal como aconteceu na estreia de Cannes. As vaias (muitas) e os aplausos (poucos), igualmente apaixonados, foram no fundo os mesmos que, em 1960, vaiaram e aplaudiram A Aventura, de Antonioni."

"Passamos aos electrochoques, aos comprimidos, à garrafa de gim. Carole (Laura Smet), actriz francesa na berlinda, está em crise emocional. Ela é uma vedeta. François (Louis Garrel, filho de Philippe), câmara à tiracolo, toca à porta do seu enorme apartamento: vem fotografá-la. O amor à primeira vista começa logo ali, pela magia de uma câmara fotográfica, e consuma-se rapidamente numa segunda sessão de fotos, agora num minúsculo quarto de hotel parisiense de onde fotógrafo e actriz sairão amantes. Enquanto François, na sombra, trabalha, Carole, exposta a todo o tipo de «sunlights», está parada, à espera do projecto seguinte, acabando por encontrar o mesmo destino da heroína do conto de Gautier. Não é por acaso que Garrel introduz a alavanca do melodrama dentro dos bastidores do cinema, nesse «exterior» de futilidade e um «amour fou» em «A Fronteira do Amanhecer» aparência onde são mais as misérias que as grandezas: é essa a história de Carole, que morre de amor quando o amor lhe bate à porta. Mas, após o suicídio da actriz, A Fronteira do Amanhecer parte destemido para um rio sem regresso. François, que entretanto encontrou nova vida ao lado de um «amor positivo», Ève (Clémentine Poidatz), começa a ser assaltado pelo fantasma de Carole."

"Pela «mise-en-scène», pelo preto e branco milagroso de William Lubtchansky, pela própria história do cinema que constitui Garrel, A Fronteira do Amanhecer é um filme que parte da «nouvelle vague», a um ponto tal e com uma tal mestria que quase é possível acreditar na ilusão de que o cinema moderno nasceu aqui e agora. De seguida, resgata o melodrama para outro território, muito mais sombrio. Atira-se de cabeça para uma explosão de romantismo cara aos surrealistas e ao mito de Orfeu, aos truques de magia de Méliès e aos «efeitos especiais» de Cocteau; no fundo, uma explosão próxima das origens do cinema."



"É um filme que sonha acordado com um tempo em que tudo ainda era uma questão de contraste entre a luz e a sombra e ainda se assobiava na noite, com medo, para espantar o escuro. Não há mil maneiras de dizê-lo: a beleza, aqui, está em estado puro."
Francisco Ferreira, Expresso de 22/11/2008