Título original: Entre les Murs
De: Laurent Cantet
Género: Dra
Classificação: M/12
FRA, 2008, Cores, 128 min.
"Recriação do livro com o mesmo nome publicado por François Bégaudeau em 2006 (que relata a sua experiência como professor de francês do 8º ano num liceu de Paris), esta quinta longa-metragem de Laurent Cantet constitui, ao mesmo tempo, um belo olhar sobre a escola como espaço do improviso e um belo ensaio sobre o cinema como arte da improvisação. De facto, aqui, o objecto de estudo (a escola) e o seu suporte formal (o cinema) parecem articular-se em perfeita unidade: a escola empresta ao cinema o método de improvisação que define o seu funcionamento (permitindo assim ao cinema superar a velha oposição instituída entre o documentário e a ficção) e, em contrapartida, o cinema devolve à escola o olhar improvisado que por breves momentos arriscou fazer seu (permitindo assim à escola escapar à demagogia dos discursos politicamente preconcebidos). Mas, comecemos pelo cinema."
"Basta ler as entrevistas concedidas por Cantet acerca de A Turma para perceber a centralidade do papel desempenhado pela improvisação na elaboração do filme. Na verdade, é ela que instaura uma circulação a três tempos entre os territórios do documental e do ficcional, convidando o realizador a partir primeiro das situações reais da vida escolar que se encontram descritas no livro de Bégaudeau, a ficcionar depois essas situações para alinhavar um guião funcional e a sintetizar por fim o real e o ficcional através do confronto do guião com os actores do espaço escolar, isto é, com os alunos, professores, pais e directores da escola Françoise Dolto, que foram modificando o argumento nos ateliers de improvisação criados pela equipa de Cantet durante os trabalhos de pré-produção do filme."
"Ora, para conciliar essa ficção que deseja experimentar-se no purgatório do real com esse real que deseja ser transfigurado pelos travestis da ficção, as três câmaras de vídeo digital de alta definição utilizadas por Cantet tratarão de reduzir ao mínimo indispensável as marcas da sua presença, encerrando-se claustrofobicamente no interior dos espaços escolares (como quem diz que a escola é aqui sempre vista a partir de dentro) e concentrando-se sobretudo no ringue de boxe da sala de aula onde, por meio de jogos de linguagem e de poder, o professor Bégaudeau e os seus alunos vão concebendo sem plano prévio uma sociedade em miniatura."
"Sejamos claros: A Turma não quer ver a escola como uma abstracção ideologicamente construída, mas como uma realidade em processo de construção, ou seja, como um perpétuo exercício de improvisação da cultura e da identidade que reflecte à sua maneira as tensões da sociedade na qual se enquadra. Assim, ao método de trabalho improvisado que estrutura o filme, responde agora, em contraponto, a lógica improvisada que estrutura o objecto do seu olhar. Da sua adequação recíproca nascerá uma obra justa, orgânica e inteira que prefere ir à escola em vez de ficar no gabinete a legislar sobre ela."
Vasco Baptista Marques, Expresso de 01/11/2008