Quatro Noites com Anna
Título original: Cztery Noce z Anna
De: Jerzy Skolimowski
Com: Urszula Bartos-Gesikowska, Malgorzata Buczkowska, Jerzy Fedorowicz
Género: Dra, Thr
Classificação: M/12
FRA/POL, 2008, Cores, 87 min.
Título original: Cztery Noce z Anna
De: Jerzy Skolimowski
Com: Urszula Bartos-Gesikowska, Malgorzata Buczkowska, Jerzy Fedorowicz
Género: Dra, Thr
Classificação: M/12
FRA/POL, 2008, Cores, 87 min.
"GOSTARIA de vos poder explicar (melhor do que sei, pior do que deveria) como me parece importante o último filme de Jerzy Skolimowski, figura maior do novo cinema polaco dos anos 60 que regressa à realização após um longo silêncio de 15 anos (o seu filme anterior, Ferdydurke, data já de 1993). Infelizmente, o sentido desse silêncio compreende-se apenas bem de mais: cada vez há menos espaço, no actual «mercado da distribuição cinematográfica», para um cinema tão artesanal e pessoal como o de Skolimowski, para um cinema habitado por personagens frágeis e obsessivas que se recusa a ceder um milímetro ao automatismo dos efeitos fáceis e imediatos. Será então de estranhar que, no decurso dos últimos anos, o velho realizador polaco tenha procurado refúgio no seu apartamento de Los Angeles para se dedicar a tempo inteiro à pintura?"
"É, de resto, pelo domínio da sua paleta de cores e da sua paisagem fílmica que a obra de Skolimowski começa por cativar a nossa atenção: à compulsão expressionista dos tons escuros que se apressam a ensombrar os planos (do sépia ao cinza, passando pelo «bordeaux») e às desoladas ruínas românticas da pequena vila polaca que serve de «décor» à acção, corresponde, na realidade, o «horizonte emocional» do filme, num permanente jogo de permutas e de adequações entre o objectivo e o subjectivo, os espaços e as personagens, o naturalismo e o lirismo que rejeita o psicológico em prol do estético."
"No centro desse quadro estará, desde o início, o olhar ambíguo de Léon Okrasa (portentoso Artur Steranko), um lacónico funcionário de um crematório que a câmara de Skolimowski vai lentamente interrogando no difícil equilíbrio entre um máximo de proximidade e distância. Durante quatro noites, vê-lo-emos invadir sorrateiramente (com os seus binóculos ou com a sua presença) o quarto da jovem enfermeira que empresta o seu nome ao filme (Kinga Preis), ora para a ver a dormir com o olhar cifrado do monstro de O Pesadelo, de Füssli (1781), ora para se deixar tentar por um seio descoberto ou por uns dedos dos pés pintados (e é comovente a forma como Skolimowski filma os «gestos abortados» de Okrasa), ora para reparar um relógio de parede que desistiu de registar a passagem do tempo. O verdadeiro motivo dos seus gestos, esse, permanece religiosamente encoberto, e será preciso esperar pela intervenção de dois dos mais notáveis «flashbacks» dos últimos anos — o que nos dá a ver a violação de Anna num «kolkhoze» abandonado perante o olhar estupefacto de Okrasa e o que nos dá a ver o olhar resignado de Okrasa aquando da sua condenação em tribunal pela violação de Anna — para que as cartas fiquem definitivamente baralhadas..."
"Entendamo-nos: Skolimowski é um mestre na manipulação da ambiguidade (seja ela pictórica ou narrativa), e não me compete a mim «escrever direito por linhas tortas». Assim, e para não arruinar o prazer da descoberta que cada espectador deverá fazer por si, direi apenas isto: o protagonista do seu filme é da estirpe daqueles que, por amor, não se importam de assistir em silêncio ao espectáculo das suas próprias crucificações."
Vasco Baptista Marques, Expresso de 29/11/2008
Vasco Baptista Marques, Expresso de 29/11/2008