31.1.09

Milk
Título original: Milk
De: Gus Van Sant
Com: Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin
Género: Drama
Classificacao: M/16
EUA, 2008, Cores, 128 min.

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"QUASE SEMPRE a meio caminho entre o cinema experimental e o cinema clássico, a obra de Gus Van Sant radicalizou a sua linguagem ao longo dos últimos anos. De facto, depois das aproximações ao mainstream de “O Bom Rebelde” (1997) e “Descobrir Forrester” (2000) e, sobretudo, da assimilação do trabalho do húngaro Béla Tarr, o cinema de Van Sant ganhou um cunho contemplativo (e, por vezes, autocontemplativo...) que até então não lhe conhecíamos. Neste sentido, “Milk” pode ser visto como um regresso à linguagem do cinema clássico e, em particular, à linguagem política, engagé e activista que marcou o cinema americano dos anos 70."

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"Primeiro biopic em sentido estrito realizado por Van Sant (“Últimos Dias” era mais uma meditação poética do que um filme biográfico sobre Kurt Cobain), “Milk” retrata a vida e obra de Harvey Milk/Sean Penn (1930-1978), o primeiro homossexual confesso a ter sido eleito para um cargo político na Califórnia e um dos principais responsáveis pelo reconhecimento jurídico dos direitos civis dos homossexuais nos EUA. Através de uma série de flashbacks articulados a partir de uma cena primitiva comum (aquela em que Milk antecipa a eventualidade do seu assassínio e regista o seu testamento político num gravador nas vésperas da sua morte), o filme vai detalhando, com a ajuda de imagens de arquivo que Van Sant se diverte a falsificar e num tom que tende sempre um pouco para a canonização instantânea, alguns dos principais episódios do percurso do seu protagonista, desde a sua vida como simples trabalhador de uma companhia de seguros, em 1970, até à sua eleição para o board of supervisors da cidade de São Francisco, em 1978. E, se o olhar de Van Sant se quer, também ele, militante, activamente comprometido com a defesa de uma causa justa, ele não deixa por isso de preservar a sua objectividade, chegando mesmo a mostrar como a defesa da diferença não pode deixar de engendrar a sua própria segregação (veja-se a cena em que Anne Kronenberg/Alison Pill, a nova directora de campanha de Milk e a primeira mulher a entrar na sua sede, é repelida pela entourage do candidato devido à sua diferença sexual)."



"Retrato histórico de um espaço e de um tempo passados (os EUA dos anos 70), “Milk” é também um retrato histórico de um espaço e de um tempo presentes (os EUA de 2009). Com efeito, caracterizando o seu protagonista como uma figura capaz de instaurar o reconhecimento da diferença, acentuando a sua capacidade de mobilização e a sua mensagem de esperança e tolerância, Van Sant parece querer ver em Milk um profeta de Obama. Eu escolheria outras personagens para fazer os papéis de São João Baptista e Cristo, mas isso não me impede de dizer que, exegese bíblica à parte, “Milk” é um belo filme."
Vasco Baptista Marques, Expresso de 31/01/2009