7.2.09

Dúvida
Título original: Doubt
De: John Patrick Shanley
Com: Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams
Género: Drama
Classificacao: M/12
EUA, 2008, Cores, 104 min.

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"HÁ DUAS COISAS que a civilização ocidental deste começo do século XXI rejeita cerce: uma é o rigorismo das certezas morais; a outra é a vigilância policial dos comportamentos, supostamente devendo caber em normativos. Aquilo que o comum dos cidadãos mais preza é a liberdade individual que com ela acarreta a relativização de todas as doutrinas. Se pesarmos bem, dos dez mandamentos que Deus entregou a Moisés escritos na pedra, só o “Não matarás” é que se mantém em vigência. E mesmo esse..."

"Pelo que atrás fica dito, “Dúvida” é um filme com uma temática que faz fricção nos nossos usos. O seu protagonista é uma freira execrável e de convicções firmes (a irmã Aloysius Beauvier/Meryl Streep), que dirige uma escola católica do Bronx com mão de ferro e se confronta com um padre liberal (Brendan Flynn/Philip Seymour Hoffman) quando uma ingénua jovem irmã a informa que parece que ele está a dar demasiada atenção a um aluno — o primeiro miúdo negro a ser admitido naquele estabelecimento de ensino. A irmã Aloysius vai desencadear uma perseguição inquisitorial ao padre, baseada apenas no ódio à sua abertura de espírito e de comportamento e a uma suspeita sem provas. Do princípio ao fim do filme, ela é a indiscutida vilã. Só que, se calhar, ela pode ter razão..."

"“Dúvida” é um filme em que não há personagens positivos. Todos têm culpas, e mesmo de quem as não tem (o miúdo negro) se pode dizer ter uma natureza particular que torna relativo o que é hediondo (uma aproximação sexualizada entre um adulto e uma criança). Por isso, é um filme em que não nos é possível decidir de que lado estar, já que a deliquescência moral do espectador interdita aquela espécie de cegueira a uma parte da realidade que os detentores de valores fortes (logo, de certezas) possuem. Talhar a verdade é virar a cara ao que a torna contingente. O filme trabalha esta contradição insolúvel e dá-nos a pensar as suas ambiguidades."



"O texto de John Patrick Shanley, excelente peça teatral vencedora do Pulitzer (há pouco mais de um ano levada à cena em Lisboa, com Eunice Muñoz e Diogo Infante), é de uma sagacidade admirável. O autor, ao adaptá-lo ao cinema, caiu no pecado de sublinhar alguns aspectos, de introduzir algum grau de materialidade no que, originalmente, era apenas uma suspeita. Mas claro que não desmontou a vertigem de um texto capaz de proporcionar grandes interpretações. O par protagonista é daqueles perante os quais só a admiração é consentida. Peço, todavia, mil perdões: Meryl Streep é, provavelmente, a melhor actriz viva neste momento, mas não estará, neste filme, demasiado máquina de representar? Philip Seymour Hoffman tem menos que fazer — e o que faz não tem reparo. Mais destacada é Viola Davis (a mãe do miúdo), com uma única cena, mas onde o texto de Shanley propicia a excelência. Quanto a Amy Adams, tem a difícil missão de tornar a ingenuidade odiosa — e atinge, amplamente, os objectivos."
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 07/02/2009