16.2.09

GOSTO DE LER o dr. Mário Soares: quando tenho alguma dúvida sobre a opinião média da esquerda antiliberal, o dr. Soares é o termómetro perfeito para medir a temperatura da tribo. Agora, na sua prosa semanal para o “DN”, o dr. Soares informa-nos que o Presidente Barack Obama “continua a não perder tempo” na construção do mundo fraterno e glorioso que prometeu no seu discurso inaugural. E, a título de exemplo, o dr. Soares cita as nobres intenções do Presidente em controlar os gastos da sua equipa e a forma contumaz como verberou as roubalheiras da alta finança.

Curiosamente, e talvez por esquecimento, o dr. Soares não parece ter reparado nas duas medidas mais importantes da nova administração Obama até ao momento.

A primeira foi a intenção de encerrar Guantánamo (aplausos), mas não a de abolir a tortura por completo (o quê?). Verdade que, na sua deliciosa retórica, Obama deseja limpar a imagem moral da América, proibindo a tortura tout court. Mas, na prática, “técnicas de excepção” no interrogatório a terroristas perigosos (uma forma simpática de tortura a la carte) continuarão a ser autorizadas pelo Presidente. O dr. Soares, pelos vistos, não deu por nada.

Como também não deu pela intenção da nova administração em continuar o rapto secreto e a transferência de prisioneiros para países aliados dos Estados Unidos — as célebres “rendições” que tanto indignaram o dr. Soares no passado.

Percebe-se. Uma coisa era ter Bush a torturar e a raptar por aí. Outra, bem diferente, é ser Obama a fazê-lo com a pinta cool que manifestamente faz as delícias do nosso Mário.
João Pereira Coutinho, Expresso de 15/02/2009