28.2.09

O Wrestler
Título original: The Wrestler
De: Darren Aronofsky
Com: Mickey Rourke, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood
Género: Drama
Classificação: M/16
EUA, 2008, Cores, 115 min.

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"NÃO É FÁCIL separar o que é realidade e ficção no novo filme de Darren Aronofsky, o seu melhor até à data. E é impossível não começar pela biografia de Mickey, pela sua experiência de vida e tudo o que se passou desde que Michael Cimino o descobriu, em “As Portas do Céu”, já lá vão 29 anos. Ele foi motard para Coppola (“Os Marginais”), voltou a trabalhar com Cimino, “foi ao grelhador” com Kim Basinger e tornou-se ícone com “Nove Semanas e Meia”. Mas perdeu-se, para o cinema e quase para a vida, nesses anos 80 em que teve o mundo a seus pés. Diziam na altura que o rapaz tinha mau feitio e não era fácil de aturar."

"Mickey teve desde cedo outra paixão: o boxe. Em 1991, já com 39 anos, decidiu assumir uma carreira de pugilista profissional, ao mesmo tampo que se arrastava em filmes de acção menores. A experiência durou pouco, Mickey não chegou ao título mundial com que tanto sonhou mas o sonho deixou-lhe marcas no corpo. Os socos juntaram-se ao álcool e as feridas foram mal saradas por um rol de cirurgias plásticas que lhe deixaram a cara num oito. Há quatro anos, Tarantino e Rodriguez convidaram esse Mickey, agora meio colosso, meio monstro, para um papel em “Sin City”, mas, aqui, ele era ‘apenas’ um super-herói de BD. Foi preciso esperar por este Randy “The Ram” Robinson para Mickey encontrar um papel que, afinal, não é mais do que uma retrospectiva da sua própria vida. Randy, heart broken em todos os sentidos, é um velho wrestler com a vida em cacos. Tem a família destruída e o seu único conforto vem de uma paixão antiga, Cassidy, essa bailarina de striptease com nome de filme de cowboys que deu a Marisa Tomei uma personagem extraordinária."

"Só que o wrestling não é o boxe e, também no cinema, não tem o mesmo peso nem a mesma melancolia. Poucos filmes foram feitos sobre este desporto de espectáculo em que os lutadores, carne para canhão, combinam os golpes à partida e se saúdam depois da performance. Robert Aldrich despediu-se do cinema, em 1981, com um dos escassos exemplos sobre a matéria, “All the Marbles”. E tal como o de Aldrich, “O Wrestler” é também um filme sobre as vicissitudes do showbiz, um filme de bastidores que só fala do cinema e da sua produção. Contar a história de Mickey, no fundo, é contar o que se passa no filme de Aronofsky. Tudo nos indicava à partida que este filme tão anos 80 (pelo hard-rock, ou por aquela velha consola de jogos que Randy tem na carrinha...) tentaria chegar à nostalgia de um “Touro Enraivecido” ou, muito pior seria, à pieguice triunfal de um “Rocky IV”, no típico modelo de uma década de 80 que sonhou mais do qualquer outra com super-heróis. Colocar, contudo, este modelo em prática, seria desonesto para Mickey, para nós, para o cinema actual. O que é extraordinário é que Randy, mesmo quando ele volta ao activo depois de um ataque cardíaco, jamais deixa de ser o “broken down piece of meat” que sacrifica a sua própria carne e a vende aos outros, primeiro no ringue, depois naquele sórdido emprego no talho de um supermercado."



"Randy não é um herói lendário nem este filme é a sua paixão, no sentido crístico. Que se descubra antes aqui um rasgo de melodrama, inesperado e sincero como poucos, capaz de extrair da simplicidade dos gestos do quotidiano toda a sua força."
Francisco Ferreira, Expresso de 28/02/2009