17.3.09

Gran Torino
Título original: Gran Torino
De: Clint Eastwood
Com: Clint Eastwood, Geraldine Hughes, John Carroll Lynch
Género: Drama, Thriller
Classificação: M/12
EUA, 2008, Cores, 116 min.

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"CEM ANOS que viva — e esperemos que sim —, Clint Eastwood nunca poderá tirar a máscara que afivelou ao rosto quando se tornou uma celebridade, a persona a que deu corpo, primeiro como o homem sem nome e de fala lacónica dos filmes de Sergio Leone (personagem que, mesmo se matizada, ele carregou consigo durante muitos e bons filmes), depois como o inspector Harry Callahan, ‘Dirty’ Harry para os inimigos, que amigos era coisa que o nosso homem não fazia com facilidade. Que persona é essa? Dureza de modos e desencanto na alma, misoginia q.b. (veja-se o que fazia às mulheres da cidade dos homens poltrões em “O Pistoleiro do Diabo”), uma sensação vívida de que o caos está aí, já que as instituições deixaram de funcionar como deviam, a polícia respeita mais os direitos dos criminosos que os das vítimas e os políticos estão embebidos em demagogia e corrupção. Como ele dizia, quase no princípio de “Impacto Súbito”, o único dos filmes de ‘Dirty’ Harry que realizou, “procuramos aguentar o dique enquanto ele se desmorona”. Por estas e por outras, Pauline Kael chamou-lhe “fascista”, o que simplificava demasiado as coisas, mas não andava longe da verdade. Quer dizer: quando, ainda há poucos anos, Clint Eastwood em pessoa avisou Michael Moore que, se lhe aparecesse à porta com uma câmara na mão — como fizera com Charlton Heston —, seria recebido a tiro, as pessoas acreditaram..."

"Ao que vêm todos estes prolegómenos? Vêm enquadrar “Gran Torino”. Porque o seu protagonista, esse Walt Kowalski viúvo e reformado que foi operário na Ford toda a vida e combateu na Guerra da Coreia, onde viu e fez coisas de que não quer que haja memória, esse homem que ficou na sua velha casa quando todos os americanos das redondezas se foram indo embora e a vizinhança passou a ser de amarelos e pretos (como ele diz, mas em vernáculo), muitos deles pouco recomendáveis, podia ser ‘Dirty’ Harry retirado do activo ou o homem sem nome, se pudesse ter viajado no tempo do velho Oeste para o Michigan dos dias de hoje. Daí que quando Walt grunhe impropérios entredentes ou puxa da espingarda por dá cá aquela palha, quando se eriça numa misantropia extrema ou quando profere insultos racistas, o espectador sorria — não porque concorde com o energúmeno, mas porque este carrega consigo toda a memória do mito Eastwood. O que é extraordinário neste filme belo e comovente como outro que não vejo há bastante tempo é que o realizador joga com a persona, mas já está no terreno da irrisão. Sem, todavia, a beliscar, que Clint Eastwood não é homem para piruetas de última hora, mas relativizando-a, dando-lhe uma tonalidade diversa, um acabamento de que se não estava à espera."



"Sabedoria de velhice? Também. De certo modo, “Gran Torino” é como o magnífico carro que está no título: qualquer coisa fora de moda, mas que se assume imponente, num e noutro há um valor seguro, algo em que se pode confiar. Por isso, o final do filme — surpresa que é delito grave revelar — nos toca tão profundamente. Afinal de contas, ‘Dirty’ Harry ou o homem sem nome não acreditam apenas em si mesmos. Eles acreditam na amizade e na América."
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 14/03/2009