10.5.09

Singularidades de uma Rapariga Loira
Título original: Singularidades de uma Rapariga Loira
De: Manoel de Oliveira
Com: Catarina Wallenstein, Leonor Silveira, Rogério Samora, Ricardo Trêpa
Género: Drama, Romance
Classificação: M/12
ESP/FRA/POR, 2009, Cores, 64 min.

"“SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA” é o filme do centenário. E o centenário que comemora é o do próprio realizador, Manoel de Oliveira, que aos 100 anos de vida mostra uma juventude de espírito e uma energia produtiva de fazer inveja a muitos jovens. O seu mais recente filme (mas outro já está na forja!) adapta um conhecido conto de Eça de Queirós, uma história repleta da ironia do mestre do realismo literário português que é também uma subtil sátira aos costumes e convenções de uma burguesia medíocre e convencida. Oliveira, igualmente responsável pelo argumento, ‘actualiza’ a história de Eça, tal como fizera com “A Princesa de Clèves”, de Madame de La Fayette, em “A Carta”. Em ambos os casos, o que o autor procura é mostrar a permanência de regras, convenções e preconceitos que ditam as relações sociais e românticas ao longo dos tempos."

"Mas o que faz deste “Singularidades…” um dos melhores filmes do autor de “Amor de Perdição” não é apenas este olhar simultaneamente distante e irónico, é também a forma com que o envolve, que lhe dá uma tonalidade estranha, onde moderno e primitivo se cruzam. Ainda mais do que em “Porto da Minha Infância”, é aqui que se encontram os sinais de um cinema ‘antigriffithiano’, que comporta uma espécie de sabor primitivo dos pioneiros da Sétima Arte e cuja narrativa se vai transformando, a pouco e pouco, num olhar moderno sobre as personagens e a situação que vivem. Aquele primeiro olhar reflecte-se na opção do realizador por um cenário despojado e minimalista e pela redução de espaços de acção, a que a curta duração do filme (64 minutos) dá ainda uma unidade e consistência maiores. É desta forma que se desenrolam algumas das cenas fundamentais, aquelas em que Macário (Ricardo Trepa) descobre Luísa (Catarina Wallenstein) na janela fronteira (Catarina Wallenstein): olhares secretos à do escritório onde trabalha, nascendo aí a sua paixão. O cenário está praticamente reduzido ao mínimo em adereços e decoração, levando o espectador a concentrar-se apenas no que interessa para a história: as janelas que quase se tocam (até neste aspecto passa o olhar ‘primitivo’, só interessado no essencial) e os olhares que através delas se cruzam. A janela adquire, assim, uma função de ‘cumplicidade’ e manifestação de pudor entre quem vê e quem é visto que não se encontrava no cinema desde Hitchcock."



"O cinéfilo conhecedor da obra de Oliveira sabe que a influência do autor de “Psico” sobre o realizador português vem de longa data. Os restantes (poucos) cenários e exteriores destacam-se também pela mesma economia. E a narrativa segue um processo igualmente minimalista, começando no interior de um comboio (no que poderia ser outra referência hitchcockiana, remetendo para o começo de “O Desconhecido do Norte-Expresso”), onde Macário vai contar a uma passageira (Leonor Silveira) a sua patética história de amor, que nos vai surgir em imagens, num flashback interrompido, num ou noutro momento, por um regresso ao diálogo na carruagem. Quem tiver olhos que veja. “Singularidades de Uma Rapariga Loura” é exemplo de um cinema ‘puro’ há tanto tempo ausente e que tanta falta faz."
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 10/05/2009