3.7.09

Deixa-me Entrar
Título original: Låt den rätte komma in / Let the Right One In
De: Tomas Alfredson
Com: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar
Género: Drama, Thriller
Classificacao: M/16
SUE, 2009, Cores, 114 min.

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"Quarta longa-metragem para cinema do sueco Tomas Alfredson (e a primeira a estrear em Portugal), “Deixa-me Entrar” chega às salas nacionais com uma bagagem repleta de prémios internacionais e de louvores críticos que desde há muito não via aplicados a um filme de terror contemporâneo (que baste dizer que, na “New York Magazine”, David Edelstein não hesitou em classificar o filme como ‘bergmanesco’...). Não vale a pena esconder que tenho alguma dificuldade em compreender a histeria (para não escrever que não a compreendo de todo) e que, no caso vertente, não consigo descortinar muito mais do que um interessante exercício de reciclagem de um velho princípio narrativo do cinema de terror clássico (comum ao “Nosferatu” de Murnau e aos zombies de Romero): o da coincidência especular dos opostos, ou melhor, o da determinação do radicalmente outro como um espelho do mesmo."

"Basta, aliás, esperar pelas sequências inaugurais de “Deixa-me Entrar” para ver este processo de reflexão a vertebrar-se em imagens. No início, é o espelho, mais precisamente: o reflexo desfocado de Oskar — um jovem rapazito loiro de aparência angélica — projectado na janela do seu quarto. Ele aproxima-se ‘dele’ (ou seja, da sua própria imagem), ergue lentamente a mão e procura-o como quem pela primeira vez se procura a si mesmo. De resto, ao longo de todo o filme, Oskar (Kåre Hedebrant) não fará outra coisa. Percebemo-lo bem: diariamente acossado pelos seus colegas de turma, que nele encontram uma presa fácil para a sua agressividade, Oskar descobre-se forçado a dissociar-se da sua própria imagem e a procurar refúgio num universo interior, onde pode livremente recriar-se como uma versão de bolso do Travis Bickle de “Taxi Driver”. Aí, do lado de lá do espelho, e como uma espécie de metáfora hiperbólica da sua vontade de poder, vive Eli (Lina Leandersson), uma vampira às portas da adolescência por quem Oskar se apaixona e que exerce por natureza aquilo que os seus colegas de turma exercem por vontade: a prática da violência (prática esta que, no caso de Eli, resulta numa série de homicídios atrozes noticiados pelos jornais que Oskar recorta e colecciona de maneira obsessiva)."



"Mas, onde reside o mal, afinal? Nos incondicionados actos de violência dos colegas de Oskar ou nos condicionados actos de violência de Eli? A partir daqui, a ambiguidade instala-se e os princípios invertem-se. A resposta à pergunta anterior, essa, há muito que já estava dada. Ou acham mesmo que é por acaso que a mise-en-scène de Tomas Alfredson se socorre quase sempre da proximidade imposta pelos grandes planos para escalpelizar os horrores do quotidiano e do distanciamento imposto pelos planos médios para escalpelizar os horrores do imaginário? Olhar de longe os horrores que estão longe e olhar de perto os horrores que estão perto: eis a força do programa estético e moral de “Deixa-me Entrar”." Vasco Baptista Marques, Expresso de 30/05/2009