Sacanas Sem Lei
Título original: Inglourious Bastards
De: Quentin Tarantino
Com: Brad Pitt, Diane Kruger, Daniel Bruhl, Samuel L. Jackson, Mike Meyers, Michael Fassbender, Mélanie Laurent, Eli Roth
Género: Drama, Guerra
Classificacao: M/16
ALE/EUA, 2009, Cores, 154 min.
Título original: Inglourious Bastards
De: Quentin Tarantino
Com: Brad Pitt, Diane Kruger, Daniel Bruhl, Samuel L. Jackson, Mike Meyers, Michael Fassbender, Mélanie Laurent, Eli Roth
Género: Drama, Guerra
Classificacao: M/16
ALE/EUA, 2009, Cores, 154 min.
"Faríamos mal em acreditar que "Sacanas sem Lei" é o simples filme de aventuras na Segunda Guerra Mundial que a publicidade (alguma, pelo menos) tem querido vender. Tarantino recolhe elementos de múltiplos filmes de aventuras, na Segunda Guerra Mundial e não só (em certos momentos, a memória do "western", como género e como "mundo", é extremamente importante), mas o que faz com eles está bem longe de ser simples ou, sequer, típico. Por outro lado, e isto também é uma razão, esta Segunda Guerra Mundial não é bem a que conhecemos. Ou é a que conhecemos mas com um "twist", o "twist" suficiente para a lançar numa espécie de universo alternativo. Na cena crucial de "Sacanas sem Lei", quando as pilhas de rolos de película de nitrato pegam fogo ao estado-maior do Terceiro Reich, torna-se claro que Tarantino não reconstitui, reinventa, e que o seu filme é um exercício de história alternativa, de história ficcional."
"Não necessariamente implausível nos seus pormenores decisivos: a película de nitrato ardia facilmente (como, se por mais nada, o leitor saberá através do "Cinema Paraíso" de Tornatore...) e os nazis gostavam muito de assistir a estreias de gala dos seus filmes de propaganda. Essa cena do incêndio, e como Tarantino não se tem cansado de dizer em entrevistas, reflecte o "poder do cinema" de modo simultaneamente "literal e metafórico". Ora tendo o Terceiro Reich vivido pelo cinema, e sido em parte não negligenciável uma construção para o cinema, que aqui o Terceiro Reich morra pelo cinema é menos um cúmulo absurdista do que um fecho de círculo, tão lógico e inevitável como qualquer outro. Num certo sentido, a Segunda Guerra de Tarantino é uma guerra decidida pelas imagens, combatida com as imagens."
"Mais uma vez, o exagero é muito leve: toda a propaganda de qualquer dos lados em conflito sabia-o bem, fosse o lado dos alemães, dos americanos ou dos ingleses (Churchill chegou a comparar um filme, o "Mrs Miniver" de Wyler, a um "bombardeiro"). Elemento essencial da propaganda, consistia numa apropriação da imagem do inimigo, para a desviar, para a tornar na caricatura de si próprio. Em "Sacanas sem Lei" isto é, mais uma vez, "literal e metafórico": tudo se joga pela maneira como se podem controlar, interferir, dominar, as imagens do inimigo. É o que faz Shosanna, a miúda judia que gere o cinema que é o lugar central da acção, quando interpõe, por entre as imagens do filme de propaganda dos nazis, planos de si própria, em estética quase "riefenstahliana", a anunciar aos presentes o que lhes vai acontecer (e o plano em que o ecrã está já a ser consumido pelas chamas mas ainda se vê a imagem da rapariga a gritar algo como "olhem bem para mim, eu sou o rosto da vingança judaica!" é o plano mais absolutamente assombroso de "Sacanas sem Lei"). E é, a outro nível, o que fazem os "Bastardos", o grupo de americanos que dá ao nome ao filme mas tem uma presença quase secundária (em termos de "screen time", pelo menos), com a história das suásticas cravadas nas testas dos nazis que encontram pelo caminho: usar a imagem do inimigo, dominá-la, e utilizá-la contra ele (alguns dos nazis de "Sacanas sem Lei" terão tido mais dificuldade em viver anonimamente na América do Sul, depois da guerra, do que os seus equivalentes da vida real)."
"Justiça poética, claro, que como sabemos não tem forçosamente a ver nem com "justiça" nem com "poesia". É outra das coisas que liga "Sacanas sem Lei" aos filmes de Tarantino como "Kill Bill" ou "Deathproof"; e a personagem de Shosanna, cuja família é morta na primeira sequência, obviamente se aparenta com as mulheres em missão de vingança desses filmes."
"Filme sobre imagens, "Sacanas sem Lei" não é menos um filme sobre palavras. Tarantino, dialoguista genial que chega ao ponto, nas entrevistas, de dizer que se vê como um "escritor" antes de ser ver como um cineasta, constrói praticamente todas as sequências como "peças de conversa", integralmente assentes num delicado equilíbrio do poder decorrente da linguagem e de quem a usa, e de como a usa - não é por acaso que uma das cenas mais prodigiosamente tensas de "Sacanas sem Lei" (a da taberna, com o jogo das adivinhas) decorre sob o signo dos sotaques e das expressões idiomáticas (mesmo quando são apenas gestuais, como descobre o pobre oficial inglês interpretado por Michael Fassbender). E ao centrar o filme, com uma expressão quase teórica, no poder das imagens e das palavras, no poder da linguagem visual e da linguagem falada, Tarantino conquista-lhe uma dimensão fria, "intelectual", nem por isso demasiado subterrânea, que transcende em muito a questão da Segunda Guerra Mundial. É um filme sobre o poder e sobre os instrumentos do poder, que hoje já não são analógicos mas digitais. Como se pega fogo a um monte de ficheiros de computador?" Luís Miguel Oliveira, ípsilon de 28/08/2009
"NO PRINCÍPIO do filme há uma legenda que diz “Era uma vez, na França ocupada”, assim situando o lugar onde decorre. É possível que os mais ingénuos achem que é na ‘ França ocupada’, mas não: “Sacanas sem Lei” passa-se na terra do ‘Era uma vez’ — mais precisamente, o cinema. E não um cinema qualquer, não o cinema-cinema onde moraram os deuses, mas o cinema-trash, veloz, popular e ruidoso, com os western-spaghetti, os filmes italianos de guerra série Z, onde Tarantino vai beber a adrenalina, a vertigem e, sobretudo, o descaramento. Para identificar esse universo de inspiração, lá estão os grandes planos dos olhos ‘ a la Leone’, o tempo refinadamente cruel que antecede as explosões de violência, as referências nominais (o título original — “Inglourious Basterds” — é uma corruptela do título inglês de uma fita de Enzo G. Castellari dos anos 70 e é apenas uma entre muitas), a música de Morricone."
"Deve dizer-se: Quentin Tarantino sempre morou por esses lados, desde o inaugural “Reservoir Dogs”, em 1992. Ou seja, não há que procurar neste autor que emergiu em plena pós-modernidade uma relação directa com a vida, antes há que aceitar o confinamento ao reino da ficção e do entretenimento. “Sacanas sem Lei” é a fita de um homem para quem os nazis são aqueles tipos com as caveirinhas nos bonés e as bandeiras estilosas que ficam extremamente bem em faixas verticais — o vermelho a bater certo com o batom das mulheres. É um divertimento onde os heróis são um grupo de judeus americanos que matam nazis e os escalpam, como os apaches, para provocar o terror, ora essa... É um filme onde o personagem mais interessante é um torcionário caçador de judeus, muitíssimo mais esperto que todos os outros comparsas, capaz de mudar o curso da História (pois não é ele quem tudo autoriza?), de falar correctamente quatro línguas (que se saiba...) e de ser terrificamente assustador sem perder o sorriso nos lábios e uma polidez de trato que qualquer lorde britânico invejaria. É uma história onde os bons largam fogo a um cinema carregadinho de altos dignitários nazis — sim, sim, incluindo o A. H. —, utilizando um monte de filmes em nitrato, enquanto outros bons, sem saberem dos planos dos primeiros, os metralham sistematicamente. Talvez ninguém se lembre que, por muito menos, há quem seja processado por crimes contra a Humanidade, mas, que diabo, it’s only fun. E é claro que é muito divertido."
"O cineasta, porventura escaldado pelo descomunal flop do seu projecto anterior, resolveu aparelhar o talento, cortar na auto-indulgência — e deu-nos um filme que é a sua melhor obra desde “Pulp Fiction”. Bastavam os diálogos afiadíssimos na boca de Christoph Waltz (espantoso actor que ganhou o prémio de interpretação em Cannes e há-de estar nos Óscares se não andarem todos cegos), bastavam os cenários daquele cinema dos anos 40 erguido nos míticos estúdios de Babelsberg (onde Fritz Lang filmou e os nazis também), bastava a cena de Mélanie Laurent a preparar-se para a batalha, com pinturas de guerra e o vestido de mulher fatal, bastava o facto de a vedeta (Brad Pitt) se ver eclipsada sem saber ler nem escrever, o que é sempre muito estimulante, para que o espectador que sou se sentisse tonificadamente resignado ao aplauso sincero." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 29/08/2009
> O "eureka" de Quentin Tarantino