Título original: 35 Rhums
De: Claire Denis
Com: Alex Descas, Mati Diop, Nicole Dogue, Grégoire Colin
Classificacao: M/12
ALE/FRA, 2008, Cores, 100 min.
"ANTES DE MAIS, celebremos! Uma das mais importantes cineastas francesas de hoje, Claire Denis de seu nome e realizadora desde 1988 (filme de estreia: “Chocolat”), após 14 anos de trabalho como assistente de realização (em filmes de Wim Wenders e Jim Jarmush, entre outros), chega à exibição comercial entre nós graças à Atalanta Filmes. Da sua já extensa filmografia (15 longas-metragens) apenas se conhecem alguns que passaram em festivais ou na Cinemateca (neste caso “Nénette et Boni” e “Beau Travail”, este último uma das suas obras fundamentais). Nem o facto de outros meios de divulgação dos seus filmes (DVD, etc.) permitirem a alguns o seu acesso, compensa essa ausência."
"Começar com “35 Shots de Rum” até não é mau para se travar conhecimento com a realizadora, pois trata-se daquele que é, possivelmente, o seu filme mais ‘acessível’, transparente na narrativa e simples nos processos que utiliza. Corre-se, porém, um risco, na medida em que o filme pode dar uma ideia que não corresponde inteiramente ao percurso da obra de Denis, se excluirmos a sua vertente ‘realista’. De facto, se esta é a matriz de todo o seu cinema, ela afirma-se geralmente por uma certa crueza, que é também uma marca de um certo cinema francês contemporâneo (que vai, entre outros, de Desplechin a Gaspar Noé), e que em Denis se destaca em dois fulgurantes trabalhos, o já citado “Beau Travail” e o impressionante “Trouble Every Day”. Em “35 Shots de Rum” essa componente está mais diluída, e o filme é percorrido por uma certa serenidade, perturbada, por vezes, por um ou outro estremecimento, como a impressiva cena nocturna em que Lionel (magnífico Alex Descas) encontra o corpo de René, o amigo recém-aposentado, incapaz de se adaptar à sua nova situação e que comete suicídio."
"Um cinéfilo que descubra Claire Denis com “35 Shots de Rum” sentir-se-á tentado a aproximar o estilo narrativo do filme de um mestre japonês, Yasujiro Ozu, em especial de uma das suas obras-primas que tem por título “Primavera Tardia”. O que aproxima os dois filmes? Exactamente a forma contida e púdica, profundamente marcada pela ternura, na forma como descreve a relação entre pai e filha. Ele, Lionel, de cor, originário da Martinica, ferroviário, ela, Joséphine (Mati Diop, uma magnífica estreia no cinema), mestiça, estudante, vivendo juntos num apartamento. Lionel sabe que, mais dia menos dia, terá de dizer adeus a Joséphine mas esta parece querer recusar a independência devido aos laços que a ligam ao pai. Tal como no filme de Ozu, os sentimentos manifestam-se nos pequenos gestos (ela esconde a panela de pressão que comprara, quando o pai lhe oferece uma). À volta deste par circulam várias personagens não menos cativantes: Gabrielle, a taxista, apaixonada por Lionel, Noé, o jovem vizinho que vive só num apartamento, apaixonado por Joséphine, René que já não vê objectivo na sua vida."
"O filme explora a fotogenia dos carris de uma forma que lembra Renoir (“A Fera Humana”) e Lang (“Desejo Humano”) graças à fotografia da colaboradora habitual de Denis, Agnès Godard (um nome que parece um ‘programa‘ cinéfilo) e no trabalho dos interiores, como na sequência central, e fundamental, do restaurante onde o grupo se refugia da chuva, e noutro momento fulcral: a visita de pai e filha à tia alemã (fulgurante participação de Ingrid Caven, uma das actrizes de Fassbinder)."
"Um filme notável que se aconselha vivamente a todos para quem o cinema é algo mais do que um simples ‘consumo de imagens’." Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 05/09/2009