22.9.09

Abraços Desfeitos
Título original: Los Abrazos Rotos
De: Pedro Almodóvar
Com: Penélope Cruz, Lluis Homar, Blanca Portilla, Rossy de Palma
Género: Drama
Classificacao: M/12
ESP, 2009, Cores, 129 min.

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"O que é que se espera de cada novo filme de um autor que conhecemos bem e, sobretudo, amamos? Espera-se que nos transporte outra vez para o lugar superlativo das emoções - choro, riso, estremecimentos de alma - e do entendimento - uma visão do mundo, nos melhores casos - onde, com ele, já havíamos estado e, se possível, que nos leve para lugares que nem suspeitamos e que ele nos revela. Somos exigentes, cruelmente exigentes, com aqueles a quem mais queremos e, por vezes, isso acaba por ser injusto."

"Veja-se o que ocorre com "Abraços Desfeitos". É a história de um ex-realizador de cinema que cegou e mudou de nome ao resignar-se a escrever argumentos para outros. É um filme exemplarmente calibrado, com um argumento onde um drama esconde um mistério, um mistério recalca uma trágica história de amor — e, por trás de tudo, há uma traição e duas mulheres que se perderam porque se venderam por amor, uma por amor ao pai, a outra por amor ao filho. São os elementos basilares do melodrama e não há hoje cineasta que melhor saiba trabalhar esse género que o espanhol Pedro Almodóvar."

"Mas é um melodrama tintado de filme negro, um novelo arrebatado, com um tempero de humor e algum suor com cheiro de cama, inumeráveis piscadelas de olho cinéfilas (da Séverine de “Belle de Jour” ao filme dentro do filme que outro não é senão “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” — para pior) e interpretações de grande nível com Penélope Cruz a dar-nos uma mulher capaz, a um tempo, de calculismo e de paixão sem freio e Blanca Portillo (era a vizinha da mãe que ficava cancerosa em “Volver”, lembram-se?) numa amiga fidelíssima e mais atenciosa que uma esposa, mas que tem uma mágoa, uma mancha, no olhar. É o peso da memória, o mesmo peso, mas com outra densidade, que o protagonista carrega — e não há como os habitantes do país mesmo aqui ao lado para saber como dói a memória, sobretudo a que se abafa, a que se não diz, a que não conta para o que fazemos todos e Lluís Homar: amor exilado os dias (uma Guerra Civil recalcada, nada menos, quando tantos traíram tantos e todos tiveram culpas). Estou a tresler, ou a ler de mais? É possível, só que o grande cinema é aquele que não fica pela superfície e permite este tipo de divagações."

"Há que concluir que “Abraços Desfeitos” é um grande filme? Não. Há apenas que dizer que pertence ao reduto do grande cinema, bastavam as sequências em Lanzarote, com aquela paisagem indescritível feita de sedução e desabrigo (um lugar de exílio, paixão, tragédia), para o provar. E há que sustentar que é fabricado com um saber feito de talento mas também de muita experiência. Almodóvar é como uma velha amante que já não funciona pela surpresa, mas pela astúcia, pelas variações sobre o reconhecido. Por isso, é possível dizer, sem faltar à verdade, que a fita não faz subir a obra do cineasta mais um degrau — não é uma obra mestra, como eram “Volver” ou “Fala com Ela” — e já ouvi a palavra ‘desilusão’ para a qualificar."



"Mas será cavernosa injustiça não ver que “Abraços Desfeitos” tem praticamente tudo o que fez deste realizador um dos maiores (sim, até alguma auto-indulgência, uma certa pose...), ou seja, não ver que, mesmo em ponto-morto, Almodóvar tem mais energia e mais capacidade de induzir ficções na nossa mente que 99% do cinema que aí há. " Jorge Leitão Ramos, Expresso de 12/09/2009