Embora o PCP e o BE sejam muito diferentes entre si, pela história, pela composição social, ambos estão como que presos num corpo sem cabeça. O corpo move-se bem, mas a direcção que é suposto ser a cabeça a dar está ausente, porque ambos perderam os "objectivos finais", perderam a grande estratégia, ou não a podem enunciar porque isso pareceria inaceitável em democracia.
Ambos desvalorizam as eleições "burguesas", mas estão transformados em partidos eleitorais; ambos são antiparlamentares e suspeitam do "cretinismo parlamentar" e acabam por se centrar no Parlamento; ambos são anti-reformistas e não podem senão falar em reformas; ambos apontam para uma sociedade sem classes, e não o podem dizer a não ser pelo epíteto moral da "justiça"; ambos são a favor da destruição da economia de mercado e não podem senão bramar contra as "grandes empresas", o "capital financeiro", os "ricos"; ambos são hostis à propriedade privada, mas não podem dizer-se anticapitalistas (mais o BE do que o PCP); ambos são marxistas e mais ou menos leninistas (mais o PCP do que o BE); mas têm que esconder os retratos dos pais e dos avós; ambos se pretendem "revolucionários" e nenhum pode falar da revolução.
Fazem tudo isto por dolo, para nos enganar, para nos esconder a verdadeira agenda? No essencial, penso que não. Fazem-no porque ficaram perdidos no meio de uma história que os condenou ao "movimento", como dizia Rosa Luxemburgo, e lhe retirou os "objectivos", os "fins", que não só não sabem como não podem enunciar.
Ambos desvalorizam as eleições "burguesas", mas estão transformados em partidos eleitorais; ambos são antiparlamentares e suspeitam do "cretinismo parlamentar" e acabam por se centrar no Parlamento; ambos são anti-reformistas e não podem senão falar em reformas; ambos apontam para uma sociedade sem classes, e não o podem dizer a não ser pelo epíteto moral da "justiça"; ambos são a favor da destruição da economia de mercado e não podem senão bramar contra as "grandes empresas", o "capital financeiro", os "ricos"; ambos são hostis à propriedade privada, mas não podem dizer-se anticapitalistas (mais o BE do que o PCP); ambos são marxistas e mais ou menos leninistas (mais o PCP do que o BE); mas têm que esconder os retratos dos pais e dos avós; ambos se pretendem "revolucionários" e nenhum pode falar da revolução.
Fazem tudo isto por dolo, para nos enganar, para nos esconder a verdadeira agenda? No essencial, penso que não. Fazem-no porque ficaram perdidos no meio de uma história que os condenou ao "movimento", como dizia Rosa Luxemburgo, e lhe retirou os "objectivos", os "fins", que não só não sabem como não podem enunciar.
(...) Ouvindo Louçã, sem nos embalarmos com o tom bíblico das suas palavras (ele usa a palavra "justiça" como o profeta Jeremias), não se pode discutir uma única das suas "propostas" sem irmos ter à cabeça que falta e não está lá no corpo do BE. No caso de Louçã, eu acho que a cabeça está lá na cabeça dele, porque com Louçã há dolo deliberado - ele sabe muito bem o que quer e não o diz -, mas não me parece que o mesmo aconteça com os eleitores do BE.
Tudo o que ele diz é vago, mas produz vacuidades com uma intensidade verbal que parece que aquilo significa alguma coisa: nós somos a "esquerda fiel à esquerda", a "esquerda que não tem vergonha de ser esquerda", a "esquerda que quer mudar", "a esquerda que não se vende", a "esquerda que vai à luta", slogans que já vêm do PSR. Depois os outros slogans são enunciações de truísmos, do género "pão, paz, habitação", etc.: o "direito a ter direitos", "trabalho para quem precisa", "justiça para quem trabalhou", etc. Em que é que isto é "esquerda"? Qualquer boletim paroquiano da Santa Igreja Católica Apostólica Romana diz o mesmo, com a diferença que a digna instituição faz alguma coisa pelo "pão", pela "habitação", e pela "paz", só que no contexto daquilo que Louçã acharia ser "caridadezinha", ou seja, sem encontrar inimigos, nem contestar o sistema capitalista que é o que ele pensa ser a dimensão da "esquerda socialista". É por isso que os outros slogans são mais explícitos de um discurso sobre o Estado e a política entre o estatismo anticapitalista ("quem tem lucros não pode despedir") e o comunismo, a que ele chama de "democracia económica" ("a todos o que é de todos"; "entregar aos privados, tirar a todos aquilo que é de todos e entregar só a alguns"). Este último aspecto, que não pode ser enunciado com clareza, leva a piruetas verbais como a de propor "desprivatizações" para evitar a palavra "nacionalizações".
Na verdade, quando Louçã usa a palavra "privado" a sua fúria vem ao de cima como se estivesse a falar do Diabo e começa a cheirar a enxofre. A palavra é imediatamente associada aos "banqueiros" ("o Governo protege os banqueiros e quem protege as pessoas?"; "para os banqueiros o Natal é todos os dias", etc.), aos "ricos" ao "polvo dos negócios", ao "roubo", e outros epítetos igualmente demonizadores. Depois, traduzidas em bom português, todas as "propostas" do BE se reduzem ao aumento dos impostos para os "ricos", a "banca", as "seguradoras", os "grandes interesses financeiros", à expropriação e "desprivatização" de bens, a ir "buscar o dinheiro que vai para os off-shores", aos "lucros astronómicos", aos especuladores bolsistas, e distribuí-lo, dando de graça quase tudo a toda a gente em nome da "justiça". Ou seja, o BE não tem outro programa que não seja pura e simplesmente confiscar o que está na mão dos "ricos" (que se veria depois que é quase toda a classe média) e distribuí-lo. Claro que com um programa destes não adianta falar da realidade, do que isto significaria em termos de destruição de empresas, de fuga de capitais, de desemprego imediato (ficaria o Estado a pagar os salários ou vende-se a casa dos patrões?), de pobreza socializada. E depois, numa sociedade destas, a repressão em nome da "justiça", dos "pobres", da "igualdade", da "revolução", é inevitável para se manter o "movimento". Perguntem a Chávez.
Por tudo isto, foi uma pena que o cartaz do BE que para aí está afixado se tivesse ficado pelos 18 anos para trás, um número sem qualquer nexo que não seja acrescentar a cara de Manuela Ferreira Leite mais uns anos no último Governo de Cavaco Silva e disfarçar o papel do PS. Mas por que é que não colocaram 34 ou 35 anos, de modo a incluir o chamado PREC, em que algumas destas propostas foram levadas à prática conduzindo à mais completa destruição da riqueza nacional dos tempos mais recentes e aos milhões e milhões e milhões que nos custaram as "desprivatizações" da altura? E não teriam aí que colocar Louçã também no cartaz, mesmo que fugazmente, em 1975?
É este debate que Louçã nunca faz, e também não se esperava que Jerónimo de Sousa o fizesse. Talvez os jornalistas, na terra de Oz.
Tudo o que ele diz é vago, mas produz vacuidades com uma intensidade verbal que parece que aquilo significa alguma coisa: nós somos a "esquerda fiel à esquerda", a "esquerda que não tem vergonha de ser esquerda", a "esquerda que quer mudar", "a esquerda que não se vende", a "esquerda que vai à luta", slogans que já vêm do PSR. Depois os outros slogans são enunciações de truísmos, do género "pão, paz, habitação", etc.: o "direito a ter direitos", "trabalho para quem precisa", "justiça para quem trabalhou", etc. Em que é que isto é "esquerda"? Qualquer boletim paroquiano da Santa Igreja Católica Apostólica Romana diz o mesmo, com a diferença que a digna instituição faz alguma coisa pelo "pão", pela "habitação", e pela "paz", só que no contexto daquilo que Louçã acharia ser "caridadezinha", ou seja, sem encontrar inimigos, nem contestar o sistema capitalista que é o que ele pensa ser a dimensão da "esquerda socialista". É por isso que os outros slogans são mais explícitos de um discurso sobre o Estado e a política entre o estatismo anticapitalista ("quem tem lucros não pode despedir") e o comunismo, a que ele chama de "democracia económica" ("a todos o que é de todos"; "entregar aos privados, tirar a todos aquilo que é de todos e entregar só a alguns"). Este último aspecto, que não pode ser enunciado com clareza, leva a piruetas verbais como a de propor "desprivatizações" para evitar a palavra "nacionalizações".
Na verdade, quando Louçã usa a palavra "privado" a sua fúria vem ao de cima como se estivesse a falar do Diabo e começa a cheirar a enxofre. A palavra é imediatamente associada aos "banqueiros" ("o Governo protege os banqueiros e quem protege as pessoas?"; "para os banqueiros o Natal é todos os dias", etc.), aos "ricos" ao "polvo dos negócios", ao "roubo", e outros epítetos igualmente demonizadores. Depois, traduzidas em bom português, todas as "propostas" do BE se reduzem ao aumento dos impostos para os "ricos", a "banca", as "seguradoras", os "grandes interesses financeiros", à expropriação e "desprivatização" de bens, a ir "buscar o dinheiro que vai para os off-shores", aos "lucros astronómicos", aos especuladores bolsistas, e distribuí-lo, dando de graça quase tudo a toda a gente em nome da "justiça". Ou seja, o BE não tem outro programa que não seja pura e simplesmente confiscar o que está na mão dos "ricos" (que se veria depois que é quase toda a classe média) e distribuí-lo. Claro que com um programa destes não adianta falar da realidade, do que isto significaria em termos de destruição de empresas, de fuga de capitais, de desemprego imediato (ficaria o Estado a pagar os salários ou vende-se a casa dos patrões?), de pobreza socializada. E depois, numa sociedade destas, a repressão em nome da "justiça", dos "pobres", da "igualdade", da "revolução", é inevitável para se manter o "movimento". Perguntem a Chávez.
Por tudo isto, foi uma pena que o cartaz do BE que para aí está afixado se tivesse ficado pelos 18 anos para trás, um número sem qualquer nexo que não seja acrescentar a cara de Manuela Ferreira Leite mais uns anos no último Governo de Cavaco Silva e disfarçar o papel do PS. Mas por que é que não colocaram 34 ou 35 anos, de modo a incluir o chamado PREC, em que algumas destas propostas foram levadas à prática conduzindo à mais completa destruição da riqueza nacional dos tempos mais recentes e aos milhões e milhões e milhões que nos custaram as "desprivatizações" da altura? E não teriam aí que colocar Louçã também no cartaz, mesmo que fugazmente, em 1975?
É este debate que Louçã nunca faz, e também não se esperava que Jerónimo de Sousa o fizesse. Talvez os jornalistas, na terra de Oz.