19.10.09

Morrer Como Um Homem
Título original: Morrer Como Um Homem
De: João Pedro Rodrigues
Argumento: João Pedro Rodrigues, Rui Catalão
Com: Alexander David, Gonçalo Ferreira De Almeida, Jenni La Rue
Classificacao: M/18
FRA/POR, 2009, Cores, 133 min.

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"HÁ ALGO copiosamente fascinante no cinema de João Pedro Rodrigues. Doze anos volvidos sobre a curta-metragem “Parabéns” (com que espanto a descoberta, em 1997, no Festival de Veneza!) e após “O Fantasma” (2000) e “Odete” (2005), há uma coisa que já tomamos como certa — a temática gay —, mas subsiste, aprofunda-se, ganha peso e emoção o efeito-surpresa que cada novo filme traz consigo. É como se João Pedro Rodrigues não quisesse sair do mesmo território, mas recusasse percorrê-lo com navegador de bordo ou coordenadas conhecidas. Cada viagem é um mergulho, pode-se mesmo dizer que cada vez mais profundo, à polifacética humanidade que o ocupa."

"Desta vez é a história de Tónia, um travesti que não se limita a vestir-se de mulher no bar onde é profissional do espectáculo, mas transporta essa transformação para a vida quotidiana. No princípio do filme, Tónia aparece inclinada a fazer uma operação de mudança de sexo (cujos procedimentos clínicos são descritos com exemplar rigor e acompanhados pela utilização original do origami, essa arte de dobrar papel que aqui se molda na arte de dobrar carne e pele e fazer de um sexo masculino outra coisa — cena memorável!). A única razão para essa mudança, compreendemos depressa, é a vontade do companheiro em ter nela uma verdadeira mulher. Porque Tónia não parece muito inclinada a mudar de corpo."

"É, muito à letra, uma história de faca e alguidar: o homem de Tónia é um toxicodependente, um pequeno traste por quem ela está apaixonada nos limites melodramáticos que fizeram do fado uma canção de desgraças e lamúrias extremas. É um desespero de alma aquela dedicação profundamente feminina — se acreditássemos que pertence às mulheres a tendência a beijar as pedras do chão que ele pisar no caminho (e estou a parafrasear, evidentemente). Mas não acreditamos, nem nós, nem muito menos o filme — onde não há, note-se, uma única mulher. A grande tensão de “Morrer como Um Homem” é essa volúpia concentracionária de um só género que a arte de João Pedro Rodrigues consegue vincar e suspender ao mesmo tempo. Explico-me: nunca o filme oblitera que todas as figuras femininas que o habitam são travestis; mas há uma veracidade tão funda na representação que é fácil ao espectador tomar, nem que seja psicologicamente, as ‘mulheres’ por mulheres. De repente, as palavras escorregam, deslizam pelos dedos... ‘Representação’, foi o que escrevi atrás: é isso o que acontece quando um homem se veste e age como mulher? Qualquer resposta que se encontre para esta pergunta é uma vacilação. Eu acho que não sei e não sei se alguém sabe. “Morrer como Um Homem” é sobre isso, sobre o estremecimento da identidade, quando há uma miscigenização dos géneros — nos Óscares, Fernando Santos estaria nos intérpretes masculinos ou femininos?"



"“Morrer como Um Homem” é um melodrama de que Sirk havia de gostar, fotografado por Rui Poças com a mestria de quem afeiçoa luz e cor, onde se questiona, com preciosa coragem, o balouço entre o varonil e o feminil, aceitando a verdade e escorraçando todos os mundos virtuais (uma das zonas mais perturbantes do filme é a casa de Maria Bakker, lá onde o grotesco, a pose e o embuste se encontram, em contraponto à verdade sanguínea do par protagonista). E, cem anos que viva, a sequência do cemitério não a hei-de esquecer mais." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 17/10/2009