O Laço Branco
Título original: Das weisse Band
De: Michael Haneke
Com: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch
Género: Drama
Classificação: M/16
ALE/Áustria/FRA, 2009, Cores, 144 min.
Título original: Das weisse Band
De: Michael Haneke
Com: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch
Género: Drama
Classificação: M/16
ALE/Áustria/FRA, 2009, Cores, 144 min.
"ELAS SÃO loiríssimas e de uma beleza cândida, submissa, respeitadora. Têm também um brilho frio no olhar, tão frio como o preto e branco sem retórica em que “O Laço Branco” é filmado, como se as crianças soubessem algo que nos estivesse vedado, um sabor secreto, um pacto com qualquer coisa de inconfessável — pesadelos postos em acto pelo espaço de um rasgão fátuo no quotidiano."
"Naquela aldeia alemã, nas vésperas da I Guerra Mundial, tudo está em boa ordem. O barão, na sua mansão, vigia para que os trabalhos nas propriedades decorram em paz: é dele que depende a sobrevivência de quase todos os aldeões. Na outra ponta do povoado, por seu turno, o pastor vela pelos preceitos morais e pela lei divina, fazendo-os cumprir, antes de mais, na sua própria família, que governa com desapiedado rigorismo luterano. O terceiro vértice do polígono de notáveis do povoado é o professor da escola, a testemunha, o narrador dos extraordinários eventos daquele ano em que estranhas violências vieram quebrar o ramerrão da existência. O quadrilátero fecha-se com o médico da aldeia — mas esse, desaparecido no primeiro plano em que um fio estendido entre duas árvores faz cair o cavalo e manda o cavaleiro para o hospital por longas semanas, é sobretudo aquele que mais nitidamente primeiro se afigura merecedor de castigo, em vez de entidade socialmente enquadradora."
"“O Laço Branco” é o desenho minucioso deste quadrilátero e dos que gravitam em torno, relações sociais e de poder, afectos, raivas, esperanças, ciclos vitais — tudo pontuado por pontuais assomos de uma brutalidade inexplicada que, deveras, há que atribuir mais à violência surda que aquela ordem social estrutura do que a este ou àquele agente. Daí que, constantemente, estejamos à espera que o plano seguinte de cada um dos planos deste filme seja bárbaro, o que cria uma tensão irremível que, de verdade, nem o desfecho acalma. É que Haneke, que já nos deu a mais insustentável das violências em cinema, faz aqui uma fita que mostra a placidez e induz o inominável. Ou seja, a nossa imaginação trabalha. Isto é um facto tão pouco comum no cinema dominante que muita gente se deve ter esquecido que é possível um plano durar para lá do que comummente se chama ‘acção’, deixando divagar o olhar e o entendimento do espectador. E aí o que cada um de nós vê está, muito provavelmente, além da materialidade do que lá está. Por exemplo — há quem tenha visto nesta fita o embrião da impiedade nazi, daquilo que sucedeu à hecatombe da I Guerra Mundial, que, na realidade histórica, dizimou o mundo que Michael Haneke reconstitui tão meticulosamente."
"Não creio, todavia, que seja necessário ir tão longe. Pela minha parte preferiria enquadrar “O Laço Branco” como uma ficção de medo, sem lobisomens, sem serial killers, sem vampiros, nem zombies, nem extraterrestres. Mais medonha por isso, já que, mesmo que acabemos por saber a face oculta daquela realidade e daquela gente, mesmo que acabemos por perceber onde estão os germes para a punição ou a vingança, não acharemos humana a malícia necessária para as perpetrar. Mas é — e é nossa." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 16/01/2010