6.3.10

Alice no País das Maravilhas
Título original: Alice in Wonderland
De: Tim Burton
Com: Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Christopher Lee, Anne Hathaway
Género: Aventura
Classificação: M/12
EUA, 2010, Cores, 108 min.

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"UMA DAS maiores dúvidas colocadas a priori sobre “Alice no País das Maravilhas” relacionava-se com o regresso de Tim Burton à Disney, quase 30 anos depois de um ‘adeus’ que julgávamos definitivo. Quem iria ceder a quem? Estaria o autor irreverente disposto a comprometer os seus disfarces fantasmagóricos? A perder a independência perante o mais caro dos seus filmes (250 milhões de dólares), aceitando os compromissos de uma casa que aposta forte nas bilheteiras e na normalização do gosto? Ou teria sido afinal a conservadora Disney, num rasgo de ousadia, a oferecer carta branca ao mais genial dos seus filhos pródigos? Os burtonianos receavam o pior, sobretudo depois do pouco inspirado “Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street”, robótica opereta que trocava os abismos do sonho por um imaginário carbonizado de esterilidade, muito pouco humano."

"Olhando para esta nova “Alice...”, se alguém cedeu não foi Burton. Vários factores podem ser responsáveis por isto. Em primeiro lugar, a extravagância deste novo 3D em relevo, cuja eficácia, inatacável, ainda é motivo de espanto para todos. A história da produção de “Alice...” — e foi o cineasta quem o disse em Londres — é a história de um ‘tiro no escuro’. Para a Disney, tratava-se da sua primeira afirmação tecnológica na matéria pós-“Avatar” (talvez isto explique as ‘mãos largas’ da casa que inventou o Rato Mickey). Quanto a Burton, esta foi também a sua primeira experiência a dirigir actores sobre a green box da CGI, tecnologia que lhe abriu um mundo de possibilidades infinitas na pós-produção externa à rodagem. Desta vez, Burton não tinha cenários, sempre tão importantes nos seus filmes, a influenciar os actores. Estava a trabalhar com eles ‘no vazio’. Num one on one exigente e paradoxalmente mais humano, íntimo e produtivo que o resultado dos seus filmes recentes. As cenas com personagens em grande plano, sobretudo as do Chapeleiro (Johnny Depp) e da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), são prova disso e contrastam com as sequências da batalha final, mais disneyiana e vulgar."

"Outro aspecto está ligado ao sainete dos argumentistas, que desafia o universo de Carroll e reinventa a heroína literária: Alice (Mia Wasikowska) já não é criança, mas uma teenager que se torna um poço de invenção. O que acontece aqui é que a pergunta do espectador deixa de ser “who are you?” e transforma-se num “where have you been?” capaz de mexer com a memória colectiva. Outro triunfo."

"“Alice no País das Maravilhas”, não convém esquecer, também é uma comédia de aventuras. A gravidade de personagens mais trágicas como o Chapeleiro e a Lagarta encontram uma oposição na paródia desta sociedade matriarcal em que Alice, já de si emancipada para o seu tempo, ajudará a Rainha Branca (Anne Hathaway) na luta contra a malvada Rainha Vermelha. Quem esperaria que Burton contornasse a orfandade paterna inerente dos seus heróis com esta história de mulheres e de sopro feminista?"



"Burton fez o seu filme mainstream mas não perdeu a cabeça e ‘ enganou o diabo’: “Alice no País das Maravilhas” não deixa de ser um filme de Burton. A sua heroína mantém intacto o mesmo espírito sonhador. Ela é a porta de entrada de um épico para a nova geração."Francisco Ferreira, Expresso de 06/03/2010