Título original: Lebanon
De: Samuel Maoz
Com: Yoav Donat, Itay Tiran, Oshri Cohen
Género: Guerra
Classificacao: M/16
ALE/FRA/ISR/Líbano, 2009, Cores, 93 min.
"SAMUEL MAOZ, cineasta israelita, tinha 19 anos em Junho de 1982. “Como a vida era bela”, disse ele numa nota de intenções distribuída em Veneza, “mas de seguida parto para uma base militar e tornam-me no atirador do primeiro tanque que atravessa a fronteira libanesa. A missão devia durar um dia — e foi um dia de inferno. Nunca tinha morto ninguém. Transformei-me aí numa máquina de matar. E alguma coisa nesse dia morreu também em mim. Demorei mais de 20 anos a sair daquele tanque. Este filme é a minha história.”"
"O que se pode esperar a priori de uma sinopse tão violenta, escrita assim, a sangue e na primeira pessoa? A expurgação de uma culpa? A expressão de um trauma a combater os seus próprios demónios? Não estaríamos longe do que Ari Folman, através da animação, fez em “Valsa com Bashir”. Só que, em “Líbano”, a questão é mais complexa. Relaciona-se com a orientação de um ponto de vista. Vamos passar hora e meia a bordo de um tanque, de uma invasão e de uma guerra que acabariam por trazer ao final do século XX um dos seus episódios mais sujos: os massacres de Sabra e Chatila às mãos dos falangistas aliados das tropas de Israel. Mais: o ponto de vista que temos em “Líbano”, frontal e terrível, é o do periscópio de um tanque; um enquadramento circular, marcado pela cruz de um ponto de mira. Afinal, quem quer ver o que este filme nos obriga a ver? Quem está pronto a sentar-se no ‘Rinoceronte’ (é este o nome do tanque), no lugar de Shmulik (Yoav Donat), alter ego de Samuel Maoz, agora levado a premir o gatilho?"
"“Líbano” é um filme que levanta problemas. Para cada um que venha em sua defesa haverá sempre outro a atacá-lo — e, muito provavelmente, pelos mesmos motivos. Acreditamos que o filme triunfa em dois aspectos. Antes de tudo, porque consegue escapar a um plano metafórico que se tornaria monstruoso: Shmulik, Hertzel e os outros soldados do ‘Rinoceronte’ não são de modo algum símbolos do seu exército e da sua bandeira. O que temos aqui, nesta agonia que nunca mais acaba, não são planos gerais reflexivos sobre actos colectivos e valores de uma pátria, mas grandes planos e close-ups instintivos que, da guerra, nos dão o mesmo ponto de vista cego dos soldados. Quanto a estes, vimo-los antes como homens isolados num pesadelo de claustrofobia, como personagens que se perdem num teatro de guerra que tende a tombar, com a passagem do tempo (aquele tempo lentíssimo em que o tanque quase caminha a passo), no território da farsa e do absurdo."
"De “Líbano”, é ainda necessário falar da invenção do seu dispositivo, que é um desafio impressionante de mise en scène. Samuel Maoz atira-se para um tour de force nunca visto, com uma fé absoluta no poder das suas imagens e daquela banda sonora siderante (as transmissões de rádio, o ruído dos movimentos do canhão), sem nada ceder ao fetichismo do espectáculo de guerra da maioria do cinema contemporâneo. O que se procura aqui é um estado de alucinação. Até que cada bala que mata lá fora, como disse Maoz, possa matar também dentro do tanque. Não é raro, este ricochete?" Francisco Ferreira, Expresso de 08/05/2010