Todos os Outros
Título original: Alle Anderen
De: Maren Ade
Argumento: Maren Ade
Com: Birgit Minichmayr, Lars Eidinger
Género: Drama
ALE, 2008, Cores, 119 min.
Título original: Alle Anderen
De: Maren Ade
Argumento: Maren Ade
Com: Birgit Minichmayr, Lars Eidinger
Género: Drama
ALE, 2008, Cores, 119 min.
"Há cinco anos que não tínhamos notícias de Maren Ade, jovem alemã que venceu o IndieLisboa 2005 com uma primeira obra mediana (“The Forest for the Trees”) — era um estudo, num tom um tanto lacrimante, do calvário de uma professora do liceu cujas boas intenções pareciam esbarrar, a cada passo, na incompreensão de ‘todos os outros’ (alunos, colegas, vizinhos...). Agora, com “Todos os Outros”, seu segundo filme, Maren Ade mantém o seu apego a um tema (o da incomunicabilidade), jura fidelidade a um olhar descritivo que procura abolir a distância para aderir à vida das personagens, renova os seus votos de confiança numa mise en scène minimalista que rejeita a narração literária e que encontra na elipse a sua principal figura de estilo, mas renega — felizmente — o tom choroso da primeira obra."
"Mas, o que encontramos nós aqui, afinal? O diagnóstico clínico da relação de um jovem casal alemão que, durante algumas semanas, passa férias numa casa isolada algures na Sardenha. Ele, Chris (Lars Eidinger), é um arquiteto alegadamente genial que, como o Howard Roark de “Vontade Indómita”, de King Vidor, recusa submeter — mais por cobardia do que por convicção, é verdade — a pureza dos seus projetos às exigências da sua clientela (motivo pelo qual raras vezes chega a concretizá-los); ela, Gitti (Birgit Minichmayr), trabalha como relações públicas numa empresa discográfica, e funciona — em virtude de um pragmatismo que parece traduzir ao mesmo tempo uma capacidade de adequação ao status quo e uma incapacidade de definir horizontes — como um contrapeso por referência ao idealismo do namorado."
"Entre este arquiteto sem obra e esta relações públicas sem ambições, existe um conjunto de pequenos rituais privados que o olhar de Maren Ade vai descrevendo com sensibilidade e inteligência (são muito boas, porque muito sintéticas e precisas, aquelas sequências e diálogos iniciais que, através de breves apontamentos, se encarregam de estabelecer de imediato o ritmo interno da vida do casal). Mas existem, também, problemas latentes de comunicação que a condensação do espaço cénico ajudará a revelar e um desejo infantil de evasão do mundo (não é por acaso que a casa de férias que habitam é a dos pais dele) que será posto em causa pela instalação de um amigo arquiteto de Chris (Hans/Hans-Jochen Wagner) e da sua mulher grávida (Sana/Nicole Marischka) numa casa vizinha."
"Aquilo que se segue, uma vez dissolvido o isolamento quase absoluto que ia assegurando a frágil unidade do casal, é uma série de tensos jantares a quatro onde, lentamente, Hans vai ganhando ascendente sobre Chris — a ponto de o convencer a adequar os seus projetos arquitetónicos às necessidades do mercado. Trata-se de um processo psicológico de submissão ao mais forte (Hans, o mais bem sucedido dos dois arquitetos) em que Chris, como uma criança, abdica da sua identidade, ostraciza a sua namorada e revê o seu comportamento para agradar a um pai que lhe diz o que fazer."
"Estamos, como é bom de ver, num território contaminado por uma tradição (a da ‘autópsia conjugal’) que vai de Roberto Rossellini (“Viagem em Itália”) a Ingmar Bergman (“Cenas da Vida Conjugal”), passando, recentemente, por Nobuhiro Suwa (“Un Couple Parfait”) ou Nuri Bilge Ceylan (“Climas”). Ora, perante essa tradição, o contributo dado pelo filme de Maren Ade — que, digamo-lo desde já, é um contributo mais verbal do que cénico — consiste, sobretudo, na exposição da natureza infantil do casal pós-moderno (não é por acaso, também, que o filme abre com um jogo de mimese entre uma criança e um adulto). De facto, aqui há, não duas personagens adultas que se vão confrontando, mas duas crianças perdidas (ele mais do que ela) que se recusam a crescer. Daí, talvez, aquele final em aberto, mais patético do que trágico, que nos obriga a pensar naquela casa, menos como um ringue de boxe do que como um infantário." Vasco Baptista Marques, Expresso de 18/09/2010