10.6.11

América
Título original: América
De: João Nuno Pinto
Com: Chulpan Khamatova, Fernando Luís, María Barranco, Raul Solnado
Género: Drama, Comédia
Classificação: M/12
Outros dados: POR/BRA/ESP/RUS, 2010, Cores, 109 min.

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"Nos anos 70/80 era ainda possível falar de branda delinquência, de uma certa malandragem lisboeta tendo como habitat os bairros históricos, de que o Bairro Alto era emblema e que escritores como Dinis Machado (“O Que Diz Molero”) ou Mário Zambujal (“Crónica dos Bons Malandros”) tão bem souberam descrever quando não inventar. No fim da primeira década do terceiro milénio, a paisagem social mudou completamente, os pequenos meliantes foram varridos do bairro, transferidos em definitivo para a periferia da cidade, acampando agora em precárias habitações de recurso. O Vítor (Fernando Luís) e o Paulo (Dinarte Branco) deste novo filme português são descendentes deles, mas o único que pode ter sido amigo ou parceiro do Silvino Bitoque ou da Adelaide Magrinha é o Melo, que, em fim de vida, se dedica a minuciosas falsificações de passaportes, brasões e outros documentos correlativos na caravana onde as circunvoluções da sorte lhe permitiram aportar. O papel é comoventemente defendido por Raul Solnado naquele que foi o seu último trabalho cinematográfico."

"“América”, já se percebeu, não tem nada de novo mundo ou de terra de redenção. É um filme que encalhou ali, na outra margem do Tejo, mais precisamente na Cova do Vapor, a sua protagonista é uma mulher russa (Liza/Chulpan Khamatova) que, no princípio, parece pronta a ir embora dali, mas logo fica. É casada com Vítor, que se dedica a esquemas e embustes, situação que muda quando a espanhola Fernanda (Maria Barranco), ex-mulher de Vítor, aparece com a ideia de aproveitar a vaga de emigrantes para os explorar de várias maneiras."

"É entre ucranianos, orientais, cabo-verdianos, um pequeno capanga brasileiro, a máfia russa, meliantes castelhanos, um miúdo que resolve não falar, uma velha que está sempre acamada e é alimentada à força e um tipo que não pára de dizer que o futuro está nas fraudes pela Internet que o filme decorre, em cenários e situações que começam por ser ferozmente realistas para, depois, levantarem voo e habitarem um lugar que talvez se possa chamar hiperrealismo grotesco. O certo é que não nos admirava nada que, lá para diante, irrompessem na banda de música as sonoridades de Goran Bregovic e o mundo se pusesse a dançar sob a batuta de um cineasta (João Nuno Pinto) estreante em matéria de longas-metragens de ficção, mas que parece almejar pertencer à família de Kusturica. Só que, irremediavelmente português, “América” nunca alivia a sua tensão. Na música, a toada é de angústia, não liberta, o espaço é confinado, labiríntico (durante muito tempo hei de lembrar os travellings de steadycam pelas azinhagas, entre as habitações da Cova do Vapor), não há grandes hipóteses de veras mudanças, mesmo quando ocorrem estremeções naturais ou gestos humanos sem retorno. Há quem morra neste filme, e não de morte natural, mas não se vai mesmo para outro lugar, nem no fim em que se diz que estão quase a chegar, e a única coisa verdadeiramente nova é o miúdo a anunciar que está com fome."



"“América” é um filme surpreendente. Nele, nada indicia o tateio de uma primeira obra, seja pela ousada segurança dos enquadramentos, seja pelo marcado look cromático que lhe dá um carácter vizinho da alucinação, seja, sobretudo, pela manutenção de um tom de representação muito difícil de sustentar, onde há um lastro fundo de verdade e, por cima, uma fina camada onde se extremam os registos, normalmente acentuando o bizarro. É evidente que, aos 42 anos e com grande experiência no campo da publicidade, João Nuno Pinto não está a pensar nos materiais fílmicos pela primeira vez. Mas acertar assim, para começo de conversa em matéria de longas-metragens, é qualquer coisa de notável. Jorge Leitão Ramos, Expresso de 28/05/2011