3.6.11

Banksy - Pinta a Parede!
Título original: Exit Through the Gift Shop
De: Banksy
Género: Documentário
Classificação: M/6
Outros dados: GB, 2010, Cores, 87 min.

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"A intervenção dos artistas plásticos no cinema fez-se, quase sempre (ou, pelo menos, nos casos mais notáveis, como os de Duchamp, Warhol ou, mais recentemente, Steve McQueen), por via da experimentação formal. Com o primeiro filme de Banksy — e em linha com a essência da sua obra plástica (ver texto na pág. ao lado) —, os jogos formais, mantendo-se embora presentes, são relegados para segundo plano em favor da corrosão satírica e da afirmação política. O que temos aqui? À primeira vista, um documentário sobre a tentativa de um tal Thierry Guetta de realizar um documentário sobre a arte urbana, em geral, e sobre Banksy, em particular; à segunda vista, um falso documentário sobre a meteórica ascensão no mundo das artes de uma figura sem talento (a do próprio Guetta); em última análise, uma feroz crítica política ao ‘estado da arte’."

"Vamos por partes. No início, estamos na Los Angeles de 1999 e, através da narração em off de Rhys Ifans, somos apresentados a Guetta, o dono de uma loja de vestuário vintage falsificado (o pormenor é importante) que teria o hábito de filmar obsessivamente todos os instantes da sua vida (e note-se que, a fazer fé no mito, o filme de Banksy teria resultado, em boa parte, da montagem de fragmentos dessas filmagens). Figura lunática que, pelo modo como se deixa absorver pelo seu imaginário, nos traz à memória as personagens do cinema de Michel Gondry, Guetta cedo travará contacto (por meio do seu alegado primo, o artista francês Invader) com os mais destacados cultores da arte urbana (de Shepard Fairey ao próprio Banksy), dedicando-se, então, a documentar as suas operações de conversão das ruas em galerias de arte. Até que, a pedido de Banksy, Guetta lhe mostra o produto das suas filmagens: um documentário intitulado “Life Remote Control” que, nas palavras do primeiro, seria “an hour and a half of unwatchable nightmare trailers”."

"Incapaz de revelar a Guetta o seu desagrado, Banksy instigá-lo-á a iniciar-se na arte urbana. Guetta vende tudo, abre um ateliê, recruta assistentes (que farão o trabalho por ele) e, por fim, esboça uma campanha de marketing onde se reclama discípulo de Banksy. Meses depois, é inaugurada em Los Angeles a exposição “Life Is Beautiful”, reunindo quadros e instalações assinadas pelo alter ego artístico de Guetta: Mr. Brainwash. O nome é adequado, pois, como as de Jeff Koons, as peças de Mr. Brainwash são apenas reproduções mecânicas de um gesto que, originalmente, se queria subversivo — aquele (mais tarde herdado pela arte pop e por segmentos da arte urbana) que, em 1917, levou Duchamp a expor o seu urinol. Quanto às ‘obras’ de Mr. Brainwash, essas, vender-se-ão que nem ginjas."



"Neste quadro, saber se a figura de Guetta é ou não real, se ela é ou não um alter ego satírico de Banksy e se, por inerência, o seu filme é ou não um documentário de facto... sabê-lo, dizíamos, é o que menos importa (embora, contrariando as afirmações do produtor, nos pareça óbvio que, aqui, tudo foi encenado ao milímetro). O que importa, sim, é a forma como o filme articula diferentes camadas de texto e imagem (despistando-nos quanto à sua origem) para, inteligentemente, colocar uma questão essencial: a da conformação, pela possibilidade de uma indefinida reprodução técnica do ‘mesmo’, da obra de arte às leis do mercado (onde, como se sabe, não há originais, mas apenas exemplares de uma origem perdida). “I think the joke is on. I don’t know who the joke is on, really. I don’t even know if there is a joke”, diz-nos a páginas tantas o porta-voz de Banksy. Se encontrarem uma melhor síntese do filme (e do ‘estado da arte’ em geral), façam o favor de nos avisar." Vasco Baptista Marques, Expresso de 28/05/2011