Título original: The Girlfriend Experience
De: Steven Soderbergh
Com: Sasha Grey, Chris Santos, Philip Eytan
Género: Drama
Classificação: M/16
Outros dados: EUA, 2009, Cores, 76 min.
"Mais de vinte anos depois da estreia da primeira longa de ficção de Steven Soderbergh (“Sexo, Mentiras e Vídeo”), vale a pena refletir sobre o sentido de uma obra consolidada que, em carteira, conta com mais de vinte títulos. Coleção heterogénea de filmes onde o drama de costumes e o fresco histórico-político convivem com o thriller, a ficção científica e o film noir, o cinema de Soderbergh constitui — como o dos Coen — um exercício pós-moderno de revisitação mais ou menos irónica dos códigos de género, onde o desejo de adequação ao mainstream colide por vezes com a aposta na experimentação formal (daí, talvez, a sensação de que o talento do cineasta é traído pelo conformismo de alguns dos seus trabalhos)."
"Com o seu novo filme, “Confissões de Uma Namorada de Serviço” (atabalhoada tradução portuguesa do original “The Girlfriend Experience”), Soderbergh não deixa de revisitar o passado (é o Godard de “Vivre Sa Vie” que tem aqui na cabeça), mas liberta-se dele, falando em voz própria, recusando cedências e investindo no risco. O resultado é um filme que — contas feitas — será um dos mais profundos e vertebrados da sua obra."
"No centro do retrato, como o título indica, está uma experiência: aquela que a jovem Christine/Chelsea, uma acompanhante de luxo interpretada pela ex-estrela do porno Sasha Grey, tem para oferecer a clientes de bolsas bem recheadas (empresários, na sua maioria), que a procuram não só pelo sexo (que Soderbergh se limita a sugerir) mas, sobretudo, pela sua capacidade de forjar uma intimidade, simulando a experiência completa que uma namorada real lhes proporcionaria. O filme segue os encontros de Chelsea com os seus clientes — estudando a rigidez dos discursos e o artificialismo das poses através de uma mise en scène gélida que dilui os corpos nos décors —, mas a experiência que nesses encontros se filma é menos a das personagens do que a do espaço-tempo que as enquadra: a Nova Iorque de 2008 (a contas com o crash da bolsa), que o cineasta quer que identifiquemos como a imagem consumada do nosso próprio espaço-tempo."
"De facto, se Soderbergh se interessa por Chelsea é porque ela constitui o espelho da cidade que atravessa, cujos interiores e exteriores aqui se filmam como um glaciar chique e impessoal. Assim, os luxuosos quartos de hotel onde ela recebe os clientes serão espaços onde os corpos estão sempre a mais, arruinando, pela sua humanidade, a frigidez geométrica da decoração (e o mesmo poderia dizer-se das ruas de Nova Iorque ou do apartamento onde ela vive com o namorado). Ora, este espaço-fantasma deixa-se habitar, por sua vez, por personagens que só parecem conhecer da vida aquilo que pode ser reduzido a um negócio (não se estranhe, pois, que os clientes procurem a atenção de Chelsea para lhe falar, sobretudo, de ações, investimentos e cotações). Sintomas de um mundo de consumidores — o nosso — onde tudo se vende e se compra (e onde até as prostitutas têm as suas agências de rating), as figuras do filme não existem para além das funções financeiras que executam, transformando-se assim, fatalmente, em desertos emocionais, em duplos de si mesmas. Neste quadro, tudo o que nos resta — diz-nos o cineasta — é um mundo em ruínas (mas salvo, na sua aparência, por uma operação de cosmética) que só admite simulacros e sucedâneos: os simulacros do afeto que Chelsea oferece aos seus clientes e os sucedâneos do valor (o dinheiro) com que eles retribuem os seus serviços."
"Uma nota, ainda, para a forma como Soderbergh constrói, por via da montagem, o tempo do filme, baralhando por sistema a ordem cronológica dos acontecimentos para criar a imagem de uma duração homogénea (isto é, ela mesma em ruínas) cujos momentos seriam, pela sua indistinção, permutáveis entre si. Obra de tarefeiro, esta?" Vasco Baptista Marques, Expresso de 16/07/2011