A Autobiografia de Nicolae Ceausescu
Título original: Autobiografia lui Nicolae Ceausescu
De: Andrei Ujica
Género: Documentário
Classificação: M/12
Outros dados:ALE/ROM, 2010, Cores, 179 min.
Título original: Autobiografia lui Nicolae Ceausescu
De: Andrei Ujica
Género: Documentário
Classificação: M/12
Outros dados:ALE/ROM, 2010, Cores, 179 min.
"Último capítulo de uma trilogia de documentários sobre a queda do comunismo que teve em “Videogramme einer Revolution” (correalizado em 1992 com Harun Farocki) e em “Out of the Present” (1999) os seus primeiros momentos, o novo filme de Ujica começa e acaba exatamente no mesmo ponto: com imagens do julgamento sumário ao qual Ceausescu foi submetido no final de 1989. Entre o princípio e o fim, e ao longo de três horas de filme, há uma tentativa de reconstituir — em jeito de imenso flashback histórico-psicológico — uma possível memória do ditador sobre as principais etapas da sua carreira política (de 1967, com a sua chegada ao poder após a morte de Gheorghe Gheorghiu-Dej, até 1989, com a derrocada do regime comunista na Roménia, passando pelos seus encontros com uma miríade de chefes de Estado).
"Pois bem: para tentar coincidir com o ponto de vista que Ceausescu poderia ter tido sobre si mesmo nos últimos dias da sua vida (é a ficção a invadir o documentário), e levando às últimas consequências o método de trabalho que empregara já nos seus filmes anteriores, Ujica socorrer-se-á aqui, exclusivamente, das cerca de mil horas de imagens de época (e, sobretudo, das imagens de propaganda do regime) que conseguiu resgatar aos arquivos da televisão e do cinema romenos. E, por ‘exclusivamente’, entenda-se: sem narração em off, sem intertítulos e evitando, por inerência, a contextualização verbal, indireta, dos acontecimentos históricos retratados, numa tentativa de acentuar a força expressiva das imagens e de não atraiçoar o olhar do ditador sobre a sua própria biografia."
"Trata-se, neste quadro, de uma recusa de artifícios narrativos que, por um lado, permite que a história contemporânea apareça, sobretudo, como a história das imagens que produz e que, por outro, convida a montagem a assumir, por si só, a função de veicular um ponto de vista. De facto, como Ujica esclarece na entrevista que nos concedeu, aqui, a montagem desempenha um duplo papel: o de destruir as relações de sentido estabelecidas por um material previamente existente (as imagens de arquivo) e o de construir, pela ‘remontagem’ das imagens ‘desmontadas’, uma nova lógica de sentido. Ora, é através deste colossal exercício de montagem de uma banda imagem e de uma banda som que vai emergindo, lenta e organicamente, a perspetiva crítica do cineasta sobre o seu objeto de estudo. Por exemplo: depois de nos obrigar a assistir a um discurso de Ceausescu sobre a inutilidade do simbolismo em política, Ujica mostra-nos, com uma ironia subtil, como o poder do ditador se apoiou no uso intensivo que fez dos símbolos — pois aquilo que em seguida vemos são imagens de um gigantesco desfile popular, onde os retratos de Ceausescu se deixam venerar pelas massas."
"O poder, da era da reprodutibilidade técnica da obra de arte até à era do vídeo, do digital e do YouTube (que é a de um olhar panóptico fomentado pela desmultiplicação ao infinito dos suportes de registo do real), tornou-se indissociável das imagens que produz. Ter a ousadia de virar as imagens forjadas pelo poder contra si mesmas, dando-lhes a possibilidade de desmentirem — com os meios do cinema — os nexos de sentido que o poder lhes quis imputar... aí reside toda a força de uma obra que acredita, como poucas, nas infinitas potencialidades da sua matéria-prima." Vasco Baptista Marques, Expresso de 27/08/2011