6.10.11

Os Famosos e os Duendes da Morte
Título original: Os Famosos e os Duendes da Morte
De: Esmir Filho
Com: Henrique Larré, Ismael Caneppele, Tuane Eggers
Género: Drama
Classificação: M/12
Outros dados: BRA/FRA, 2009, Cores, 101 min.

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"De entre os filmes brasileiros que têm estreado em Portugal ao longo da última década, podemos, grosso modo, distinguir duas ‘tendências’: a das obras que procuram replicar o modelo comercial do cinema americano, oferecendo-nos em espetáculo a marginalidade e o ‘caso social’ (“Tropa de Elite”, de José Padilha), e a das obras que tentam recuperar a herança neorrealista do “Cinema Novo” brasileiro (“Linha de Passe”, de Walter Salles e Daniela Thomas). Pois bem: esta primeira longa-metragem com título enigmático de Esmir Filho (que, à data da sua realização, tinha apenas 27 anos de idade) inscreve-se em contracorrente em relação ao passado recente do cinema brasileiro, encontrando as suas principais referências nos trabalhos de David Lynch e de Gus Van Sant."

"O que temos, neste quadro? Uma adaptação do romance homónimo de Ismael Caneppele, que, socorrendo-se em exclusivo das interpretações de não atores (excelentes, na sua maioria), nos convida a viajar até uma pequena vila sem nome do interior brasileiro (“o cu do mundo”, diz-nos o filme), para seguirmos o dia a dia de um adolescente desenquadrado (Henrique Larré). Dele, o pouco que vamos sabendo (através de uma narrativa lacónica, descontínua e difusa que ilumina gradualmente o perfil do protagonista e os contornos do seu meio) é que vive sozinho com uma mãe deprimida e com a memória de um pai falecido; que passa horas ao computador, alimentando com as suas observações um blogue intitulado Mr. Tambourine Man (em homenagem ao famoso Bob Dylan, que sonha ver ao vivo); e que a escola é para ele (como para os fantasmas do “Afterschool”, de Antonio Campos) uma espécie de campo de concentração em miniatura."

"Trata-se, aqui, de um universo claustrofóbico, fechado sobre si mesmo (daí que Esmir Filho se sirva, e bem, de uma escala de planos muito cerrada que isola as personagens num espaço sem coordenadas), que, no entanto, se deixa assombrar por um mistério, por um enigma que se faz presente desde a primeira sequência do filme. Nela, aquilo que de início vemos é apenas isto: um conjunto de imagens (captadas com um telemóvel, provavelmente) que, em silêncio, nos vão mostrando as estranhas poses de um jovem casal em passeio no campo (Tuane Eggers e Ismael Caneppele, o autor do romance que o filme adapta). Depois de um corte, um reenquadramento da cena (obtido pelo recuo da posição da câmara) revelar-nos-á a verdadeira natureza do que víamos, nomeadamente: um dos diversos vídeos colocados no YouTube pelo referido casal, que — sem que saibamos porquê — parece exercer sobre o protagonista um bizarro efeito de atração magnética. De facto, porque vão pontuando por sistema (e como uma obsessão) a narração dos episódios quotidianos que marcam a sufocante vida do nosso adolescente, essas imagens sem contexto afirmam-se como o único ponto de fuga capaz de inaugurar um horizonte no espaço. Sobre elas e sobre o seu sentido (que o filme se propõe decifrar) não diremos muito mais — apenas que elas se encarregarão de nos colocar em contacto com os “duendes da morte” do título, fantasmas portadores de uma ‘mensagem-limite’ (a da possibilidade do suicídio) que competirá ao protagonista adotar ou rejeitar. Nós, pela parte que nos toca, seguimos com ele, fazendo-nos cúmplices desta bela viagem pelo território sempre assombrado da adolescência."



"Em complemento a “Os Famosos e os Duendes da Morte”, será exibida, no início das sessões, a curta-metragem “Voodoo”, da autoria do português Sandro Aguilar." Vasco Baptista Marques, Expresso de 01/10/2011