Título original: Le Gamin au Vélo
De: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Com: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier
Género: Drama
Classificação: M/12
Outros dados: FRA, 2011, Cores, 97 min.
"Quando os Dardenne filmam os pobres, não lhes arrancam o mundo. Há muito que os irmãos belgas perseguem o mesmo filão, as mesmas heranças, as mesmas histórias de pais e filhos, reais e simbólicos, em filiações sanguíneas ou afetivas. As personagens dos Dardenne, por seu lado, respondem-lhes: nunca baixam as orelhas. Não choram, não mamam, não fazem figura de coitadinhos como tantos que andam por aí. O miúdo desta bicicleta, Cyril (incrível Thomas Doret), é disso exemplo. As personagens dos Dardenne combatem. Para eles, o cinema é uma questão de luta. E de ponto de vista, porque a câmara de Jean-pierre e Luc sabe como acompanhá-los sem os esmagar — é esse o seu maior triunfo."
"O cinema contemporâneo tem uma dívida tremenda com os Dardenne. Quando Cannes os lançou, há 15 anos, com “A Promessa”, o meio do cinema ainda não sabia como responder-lhes. Os irmãos já tinham um bom punhado de documentários antes dessa primeira ficção mas “A Promessa" foi muito mais longe: inaugurou um novo modelo de produção e um novo efeito de realismo. Inaugurou um cinema que funciona em todos os sentidos do termo. Casou o documentário e a ficção com uma seriedade sem limites e o casamento, que no cinema francófono só tinha um farol chamado Maurice Pialat, espalhou-se pelo planeta (veja-se o novo cinema chinês, veja-se o romeno...), num dos eixos cinematográficos mais produtivos dos últimos 20 anos."
"Condenados a fazer o mesmo filme, os Dardenne? Pas forcément. Quem passar os olhos pelo denso livro que o mais novo dos irmãos, Luc, doutor em filosofia, publicou há uns tempos (“Au dos de nos images”), compreenderá que a arte dos Dardenne e a sua economia fina, embora escavem bem fundo, residem na humildade, na contração, na mecânica do que não é mostrado nem se exprime em voz alta — daí a sensação de que os filmes se repetem. Mas não repetem. Com este “miúdo”, os Dardenne abrem o seu espaço a uma atriz da indústria — e Cécile de France é absolutamente notável na mãe adotiva de Cyril/pitbull. Filmaram no verão, coisa rara, se não inédita. Com planos muito mais largos do que é habitual. Com a câmara, também pela primeira vez, à altura do olhar de uma criança, num sistema muito diferente de “Rosetta”. Quem poderá ainda, perante este retrato incandescente da infância que até admitirá um raio de sol, dizer que os Dardenne se repetem?"
"Há críticas que saem assim, nas tintas para a story, mas com vontade de abraçar um todo e em força, como naquele plano, magnífico (talvez o mais forte de sempre dos belgas), em que Cyril, ele que só quer encontrar o pai, atira uma mulher desconhecida ao chão e descobre uma ‘mãe’: Samantha. “O Miúdo da Bicicleta” deixar-nos-á em suspenso alguns segundos com um milagre lá para o fim que tem a forma de uma ressurreição. Todos os filmes dos Dardenne são histórias de Abraão e Isaac, para voltarmos aos pais, aos filhos e — admitamos — a um cinema que professa com subtileza o seu cristianismo. Até que o perdão intolerável, sem qualquer palavra de consolo, sem qualquer gesto de condescendência, se possa tornar um perdão possível — e a história deste filme, afinal, é só esta." Francisco Ferreira, Expresso de 24/12/2011