13.12.11

Um Método Perigoso
Título original: A Dangerous Method
De: David Cronenberg
Com: Michael Fassbender, Viggo Mortensen, Keira Knightley
Género: Drama, Thriller
Classificação: M/16
Outros dados: EUA, 2011, Cores, 99 min.

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"David Cronenberg sempre filmou o que está debaixo da pele, escondido nas aparências. Mas filmou mesmo — não é como o famoso Almodóvar que parece julgar que basta nomear para se ter o que promete (veja-se “A Pele Onde eu Vivo” em que tudo fica pelo corpo belíssimo e elástico de Elena Anaya quando o que havia que dar era o tumulto do que está lá dentro). O canadiano, ao invés, nunca traficou arremedos, foi direito à coisa e, por vezes, a coisa saiu mesmo cá para fora, como um monstro que irrompe e devasta, razão pela qual houve quem o julgasse um cineasta de filmes de horror. Só que não, só que nunca no sentido gore que “Os Parasitas da Morte” (1975), “Coma Profundo” (1977) ou “Scanners” (1981) numa certa época pareciam indiciar. Antes numa dimensão onde, mais do que a carne, se rasgam as entranhas da alma (ou lá o que se lhe queira chamar) em vórtices tão abissais quanto os que experimentámos em “Crash” (1996), “existenz” (1999) ou “Spider” (2002). Um dia este cineasta dos abismos interiores havia de encontrar-se com os deuses da psicanálise, estava (quase) escrito nas estrelas. Encontrou-se agora."

"“Um Método Perigoso” é a história da relação de Carl Jung com uma sua doente célebre (a russa Sabina Spielrein), histérica e com fantasmas incestuosos e masoquistas, que seria sua paciente, sua amante e, finalmente, sua discípula. Sabina Spielrein tornar-se-ia, por sua vez, médica psicanalista, atividade que exerceria na Rússia soviética, antes de ser assassinada pelos nazis, em 1942."

"Sabina tinha 19 anos quando foi internada no hospital de Burghölzli, em Zurique, onde Jung trabalhava e o filme — baseado numa peça teatral de Christopher Hampton — decorre durante a década seguinte, centrando-se quer na relação entre Jung e Sabina quer no relacionamento de ambos com Freud — e com todas as minúcias de rivalidade entre os dois homens que não seriam meramente científicas. E não é a ‘cura’ de Sabina ou sequer o método que Jung adotou que ocupam o realizador. O que Cronenberg melhor encena é a desordem que o desejo proibido instala, a vertigem de uma relação onde os próprios impulsos ‘desviantes’ (o masoquismo dela, a vontade de ascendente dele) encontram um lugar, uma ocupação. Porque, finalmente, é o distúrbio a todos os níveis o que ali está em jogo, a começar pelas normas que regem uma sociedade patriarcal, hierarquizada, onde a conjugalidade é um dever e um espaço afetuoso de onde está ausente a transgressão e a volúpia."



"“Um Método Perigoso” não é um filme tão obviamente notável quanto o seu realizador nos habituou. Num primeiro momento estou mesmo a ver inúmeros espectadores a admirarem-se com o facto de Cronenberg se moldar aos códigos dos filmes de época (e com que rigor o faz!), aos fatos, ao modo de pegar numa bengala, aos tempos, aos espaços exteriores trabalhados por exímios e invisíveis efeitos digitais. Dotado de serenidade e certeza, não estrondeia, diz — numa obra em que cada plano é perfeito, cada sequência admirável, e onde a mise en scène muito se apoia na prestação dos atores, todos num altíssimo patamar (veja-se o peso que Viggo Mortensen dá a Freud, os riscos que Keira Knightley corre, em particular durante os seus ataques de histeria, onde o esgar atinge os limites do permitido, a milímetros de se despenhar no grotesco, a frieza perturbada que Michael Fassbender investe em Jung ou a compostura frágil, firme, dúplice de Sarah Gadon na sua mulher). A austeridade do filme é a capa debaixo da qual está a fúria dos instintos básicos — o sexo, a agressividade entre os homens, a guerra que aí vem." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 26/11/2011