23.3.12

Attenberg
Título original: Attenberg
De: Athina Rachel Tsangari
Com: Ariane Labed, Vangelis Mourikis, Evangelia Randou, Yorgos Lanthimos
Género: Drama
Classificação: M/16
Outros dados: GRE, 2010, Cores, 96 min.

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"Na semana em que estrearam os Óscares, registou-se a estreia, inesperada, valiosa, de um filme que nada tem que ver com eles — a começar pela radicalidade do seu discurso e da sua proposta estética. Estreado e premiado em Veneza (a jovem atriz Ariane Labed conquistou no Lido uma Taça Volpi), produzido por Giorgos Lanthimos (autor do já exibido entre nós “Canino”), “Attenberg”, segunda longa-metragem da realizadora Athina Rachel Tsangari, foi um dos melhores filmes europeus de 2010."

"Começamos pela pop, e por uma banda, os inesquecíveis Suicide, de Alan Vega e Martin Rev. “Attenberg”, que é um filme pop à sua medida, baralha desde logo as convenções que o cinema costuma fazer com a música. E o que costuma este fazer? Usar a música para passar o tempo (perguntem se não é assim a Sofia Coppola...) ou para florear alguma coisa. No caso do cinema de Athina, a ‘doença’ das canções dos Suicide (seguir-se-á Daniel Johnston, Françoise Hardy... a banda sonora é magnífica) tem contudo outra função, pois é também a uma sociedade doente que somos apresentados."

"É preciso dar um pouco da story para sermos mais claros. Estamos a falar de uma personagem de 23 anos, Marina (Ariane Labed), que vive com o pai numa cidade industrial. Digamos que Marina guarda da espécie humana uma singular distância (a palavra mais conveniente seria ‘repugnância’). Quando se ouve os Suicide, de resto, não há outro remédio. O que faz mais Marina? Gosta de imitar animais selvagens a partir do que viu em documentários de vida selvagem da BBC de Sir Richard Attenborough (é de um Attenborough mal pronunciado e com sotaque grego que vem o título deste filme). Gosta de ensaiar certas coreografias ao ar livre com a sua amiga Bella (Evangelia Randou), de quem, acrescente-se já agora, recebe aulas de educação sexual. Se a sinopse não lhe agrada, não vale a pena continuar, este filme não é, nunca será para si. Mas saiba mais. É que neste quadro cinematográfico que parece casar Godard com os Monty Python, neste estranho mundo em que nos sentimos alegremente desconfortáveis, o cinema de Athina vai começar a desafiar a morte através de canções e de danças, e ao mesmo tempo a reinventar uma nova forma de burlesco made in Greece que, na verdade, é para aí uma das quatro ou cinco maiores descobertas do cinema contemporâneo recente."

"Marina digere mal a sua existência e não tardamos a compreender que cada gesto, cada movimento tem uma dupla função: alimentar-nos de falsas pistas que são, em simultâneo, os pilares essenciais da mise en scène. Como se “Attenberg”, não contente em descrever, não contente em metaforizar, quisesse redesenhar a fronteira entre a dramaturgia e as ideias, entre o que a narrativa quer dizer e os meios que tem ao seu dispor para chegar aos seus objetivos. Podemos, obviamente, cercar o filme com uma ideia para descansar as almas mais puras: “Attenberg” (querem um chavão?) é a história do confronto de uma mulher que vai ter, finalmente, que enfrentar a idade adulta. O filme não fala de outra coisa. Acreditamos contudo que a sua beleza não vem das ideias, ou das metáforas, porque nos parece que ir por aí era trair a essência do filme. O que nos faz gostar tanto de “Attenberg” é o seu transe vigoroso, a sua ginástica, o seu acaso, e o prazer de descobrir que toda esta gama sensorial jamais é decorativa, jamais é autista — pese embora o comportamento de Marina, que a isso leva a pensar."



"“Canino”, de Giorgos Lanthimos, tinha-nos revelado que valia a pena estar atento a este novo cinema grego. Um cinema que vive obcecado com o jogo, com o ritual ou, se quiserem, com uma espécie de hipóteses sonoras e figurativas, violentamente antinaturalistas, que se distinguem pela excentricidade, pela elegância, e que confiam de olhos fechados no poder da mise en scène. Aí está “Attenberg”, pouco tempo depois, orgulhoso de si próprio e a estrear orgulhosamente numa capital da outra ponta da Europa, a devolver-nos com brio a confiança depositada." Francisco Ferreira, Expresso de 28/01/2012